Para que saibam das minhas tretas
e ponham logo os pingos nos is,
quero mostrar com todas as letras
porque me ufano do meu país.
Nossas tristezas são cor-de-rosa!
Nossas riquezas são naturais!
Servem talvez para contar prosa,
são sete-quedas e talvez mais.
Estas florestas de antigamente
quem as cortou? Quem as fez carvão?
Quem ensinou a essa pobre gente
a desplantar o seu próprio chão?
Os nossos rios, esta baía,
nem são mais verdes, nem peixes têm.
Só não poluíram a poesia
porque ela salta e vai mais além.
Eu sou quem sabe meter o pau
na maioria que pede bis.
Sou a memória da antiga fauna
porque sou fauno no meu país.
Além de ser o maior em tudo,
o nosso clima, o nosso verão,
nos dá de graça o maior entrudo
em que as três raças tristes
estão.
Dos portugueses temos a língua;
dos africanos — oxum, meu bem;
os índios foram morrendo à míngua
deixando apenas seu nhenhenhém.
Nossos costumes são os mais limpos,
sabemos tudo e muito mais:
nosso futuro tem seus garimpos
como a esperança seus matagais.
Eu sou o mito que vai criando
orelhas grandes, grande nariz.
Há quem comente que sou malandro
porque só falo no meu país.
O meu orgulho tem passo firme
e olha de esguelha meus ancestrais.
Usarão força para impedir-me?
Que vale a força, se eu cresço
mais?
E cresço tanto que às vezes salto
as longitudes que me contêm.
Sou a Excelência de algum planalto,
dou cambalhotas como ninguém.
Mas porque mexo na minha história,
porque remexo no meu surrão,
conheço alguma jaculatória
e tenho santo de proteção.
Eu sou de mim o meu próprio dobro,
meu próprio roubo, mas sou feliz.
E até aceito me chamem bobo
porque me afano no meu país.
Gilberto Mendonça Teles
Do livro: "Hora aberta", José Olympio Editora, 1986, RJ