Ouvidos surdos já não ouvem o próprio brado.
Filhos com fome não entendem ato heróico.
Da liberdade, o sol, gentil desejo bardo,
Brilha num céu de sombra e dor – corpo anecóico.
A pátria amada, em solo seco idolatrado,
Já não nos salva, sem perdão, em verso estóico.
E aquele sonho, vivo intenso, apaixonado,
Nos alimenta desse fruto paranóico.
Em nosso céu, formoso, ainda resplandece
A bela imagem do cruzeiro, que hoje cresce,
Como a lembrança, a carregar por braços tortos.
E os pobres netos da nação que mais cresceu,
Sucumbem sós, nesse remar sem apogeu,
Chorando rios de saudade dos seus mortos.
*************************
BRASIL 501
Enganas bem a idade
[Melhor que qualquer atriz]
Sem ginástica ou bisturis,
Mas com mágicas de vitalidade.
Tuas rugas embutidas
Tuas lágrimas sentidas
Escondem-se sem muito pano
Ou trapos incandescentes
Nas peles dos indigentes.
Teus nativos [outrora guerreiros]
Hoje simples muambeiros,
Tramitam pestes e cicatrizes,
Incomodam com dias felizes.
Tuas matas, teus rios, açudes,
Poluídos de inquietude,
Armados de sol de verão,
Aviltam a inércia da mesmice
Dos que sangram pelo chão.
E quem vai fazer brotar da terra
A paz, a dignidade, a paga
Da escravidão, da realeza,
Da dívida externa...
Quem vai lavar teus pés
E ungir teu rosto contraído,
Se por menos, bem menos
Que trinta dinheiros
Viste teus ideais
[com beijos]
Traídos?