BOLO DOS 500
 
Tentar fazer qualquer receita do livro da Tazinha, baiana, radicada no sul, é regredir ao tempo do descobrimento. Peso em libras, avalanche de ovos, mas no final excelente é pouco para expressar o sabor dos pedaços, o aroma enchendo a casa. Misturando os ingredientes, meus olhos mergulham no redemoinho da massa. Percebo outra massa. Quanto tempo faz que o Brasil foi descoberto e como descubro o Brasil?

Ainda não contei os quilômetros que pisei na Terra de Santa Cruz, talvez tenha corrido mais que pisado. Os primeiros passos mais importantes foram até meus pais. Pés sentindo a terra molhada, no fundo do pátio, quinhentas vezes pingadas da seiva do céu.

Quantos pés desaparecem sem terra, na terra que rola dos morros,  na beira dos rios, nos charcos. . . Outros sendo levados deste país para ter pais conhecidos. . .

Não consigo me imaginar sem a mão amiga dos que se elegeram meus pais. Dói formatar a dor de buscar e nada encontrar, de ter mão por perto e não ser amiga. De ter mãos amigas sem bolo, olhos compridos e tristes coroando o fogão com panelas vazias, a boca do forno abrindo e fechando pedindo socorro.

A receita do bolo está amarelada pelo tempo, até chegar no meu tempo. Guardaram-na para que eu pudesse fazer e passá-la adiante. Quantos, neste Brasil tão grande, não tem folha verde para passar, quanto mais dourada pelas gerações?!

Descubro um Brasil orgulhoso de Santos (Dumont) e vôo com ele mais alto que os cinco metros acima do solo do 14Bis. Peço ao Deus da consciência de cada um enxergar um pedaço da massa ao léu, querendo encontrar pouso nos corações. Talvez não considerem o maior feito, a maior invenção, talvez o mundo não note, talvez seja só patenteado na intimidade das relações humanas. . .

Volto para o bolo. Releio as peças da receita, aqueço os olhos no futuro, a massa crescendo, o bolo aparecendo. Todos saboreando, não só alguns. Quem sabe nos quinhentos anos encontremos a BR certa. .

Sonia Alcalde