Neste momento em que nossa Pátria e Nação
alcança os seus 500 anos em meio a tanta lama e traição,
e no qual tantos aproveitam-se desta triste conjuntura para tentar denegrir
a nossa história em nome de muita coisa que ainda falta fazer; e
tentam negar o tanto de conquista civilizatória que em nosso País
se produziu; e o tanto de contribuição que nós, brasileiros,
temos dado à humanidade; neste momento, o documento abaixo, do PCdoB,
nos ajuda a refletir com serenidade (sem cair nessa ideologia politicamente
correta e pós-moderna que o colonialismo ianque nos tenta impor),
o que foram esses 500 anos de luta de UM povo!
Saudações quincentenárias
com muito orgulho (apesar de tudo),
A Classe Operária
500 anos de luta na construção de um povo, uma cultura e uma nação novos
O dia 22 de abril de 2000 assinala os 500 anos
do desembarque de navegadores portugueses no litoral da Bahia. O Partido
Comunista do Brasil comemora esta data que marca o início da formação
do Brasil e do povo brasileiro com a convicção de que este
é um momento privilegiado para a reflexão sobre a nação
e as dificuldades que a atual conjuntura mundial opõe à sua
afirmação soberana.
Nesta ocasião, o PCdoB homenageia o povo
brasileiro e seus heróis, protagonistas da história e criadores
da nacionalidade.
Nação nova, entre tantas outras
de civilização e cultura milenares, a despeito de estruturas
sociais e políticas arcaicas que persistem, o Brasil é resultado
do convívio histórico de gerações sucessivas
que forjaram uma cultura original, base de uma civilização
flexível, criativa, aberta e assimiladora, temperada pelos conflitos
e lutas que pontuaram a trajetória de milhões de homens e
mulheres que aqui viveram, trabalharam e agiram através dos séculos.
O povo é o herói e o autor da nacionalidade
O povo brasileiro é o autor e o herói
dos avanços ocorridos em nosso país; ele resulta do amálgama
de povos do Novo e do Velho mundos. O processo histórico desta formação
foi doloroso, brutal, marcado pela escravidão e pela violência,
condicionado pelos interesses de uma elite colonizada. Mas o resultado
é grandioso: um povo novo, uno, com um modo original de afirmar
sua identidade e assimilar as diferenças, que tem uma contribuição
efetiva a oferecer à convivência entre os seres humanos.
Com o passar dos séculos, a mescla da
base de cultura popular, de origem índia e africana, fundiu-se com
os elementos europeus dominantes, gerando a cultura brasileira, marcando
nossa gente com costumes, fé religiosa e formas de expressão
que, aqui refundidas, representam a imagem mais característica dos
brasileiros entre os demais povos.
A história destes 500 anos desmente as
teses falsas que atribuem aos brasileiros uma "índole pacífica".
A luta pela liberdade, pelos direitos do povo, contra a opressão
estrangeira e a tirania, foi a marca da resistência popular. O movimento
da história resultou, ao longo dos séculos, do conflito entre
a elite dominante e o povo; colocada quase sempre em campo oposto ao da
nação. Em geral a elite se opôs aos movimentos de transformação
que ferissem seus interesses, limitando o alcance das mudanças ocorridas
e constituindo-se, assim, em fator de atraso no desenvolvimento do país.
É significativo, neste particular, a profunda opressão cultural
que impôs ao povo brasileiro que, em 500 anos de história,
viveu 308 anos sem ter tipografias, imprensa ou escola superior e 434 anos
sem uma universidade digna desse nome.
O povo brasileiro defendeu-se, muitas vezes de
armas na mão, contra a opressão, a tirania e a ameaça
externa, marcando a história com o fio vermelho do sangue que derramou,
desde a resistência indígena e dos africanos contra a escravização,
até as lutas operárias e populares características
de nosso tempo. Esse processo conflitivo e cruento teve início com
a resistência dos índios contra a escravização,
no início da colonização. Os africanos escravizados
foram também protagonistas pioneiros da luta pela liberdade no Brasil,
deixando exemplos de heroísmo insuperável, como o quilombo
de Palmares, ou a grande Revolta dos Malês, de 1835, em Salvador.
A idéia, vitoriosa, de uma nação
autônoma e um povo livre germinou e se fortaleceu no conflito contra
o domínio colonial. Um de seus marcos, momento criativo e de afirmação
histórica da nacionalidade, ocorreu no século 17, com a expulsão
dos holandeses que ocuparam o Nordeste, ocasião em que todo o povo
se mobilizou e a elite agiu como uma liderança nacional autêntica.
Todas as forças da Colônia - clero, camadas pobres, índios
e até mesmo escravos e negros livres - uniram-se na campanha vitoriosa
que derrotou, sem a ajuda de Portugal, a principal potência econômica,
política
e militar de então, a Holanda.
Rupturas incompletas
O Brasil viveu, ao longo da história,
momentos de ruptura institucional, ocasiões de efervescência
revolucionária que mobilizaram o povo e as forças ligadas
ao progresso. Entretanto, nunca o rompimento com as forças do passado
foi completo. Foi marcado por rupturas que, ao colocar o país e
o povo em uma situação nova, mais avançada, por outro
lado mantinha vivas e atuantes as mesmas velhas forças que dominaram
no passado que acabava de ser superado.
A Independência foi um movimento desse
tipo. Figura, na versão oficial, como doação da Casa
de Bragança. Mas a história ensina que, ao contrário,
ela foi conquistada pelas jornadas populares do Rio de Janeiro, Minas Gerais,
São Paulo e Recife, e nos campos de batalha, na Bahia, Maranhão
e Piauí, onde o colonizador foi derrotado militarmente.
O rompimento com a opressão colonial tem
raízes nas guerras do século 17 contra os holandeses; na
Inconfidência Mineira de 1789, que projeta o perfil heróico
do alferes Tiradentes; na Conjuração Baiana de 1798, ainda
mais avançada, com bases populares e plataforma abolicionista. E
deságua num primeiro ciclo revolucionário, de 1817 a 1850,
quando o país vive uma vaga de revoluções como, entre
muitas outras, a República de 1817; a Confederação
do Equador, de Frei Caneca, e a Revolução Praieira, com centro
em Pernambuco; as insurreições de escravos; a Guerra de Independência
e a República Bahiense, no Recôncavo Baiano; a gigantesca
epopéia popular da Cabanagem, na Amazônia; a Balaiada dos
escravos e pobres livres do Maranhão e Piauí; a Revolução
republicana dos Farroupilhas no Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O processo da Independência do Brasil é
fruto dessas e outras jornadas rebeldes. Passa pelo episódio do
7 de Setembro de 1822, mas vem de muito antes e vai até muito depois.
A conquista da autonomia política não
significou, porém, a derrota dos setores agro-mercantis, aliados
internos da exploração estrangeira, formados durante o período
colonial e que lograram dominar o processo da Independência, continuando
vivos e atuantes à frente da política, da economia e da sociedade.
O projeto autonomista e avançado de José Bonifácio
foi deixado de lado, superado pelo programa dos latifundiários,
dos traficantes de escravos e dos interesses dinásticos da Casa
de Bragança.
Assim, o ciclo rebelde do século 19 não
alcança a vitória, e a reação colonial e monárquica
afogou em sangue, uma a uma, as revoluções localizadas que,
embora com causas e objetivos comuns, não conseguiram se articular
num movimento único. O Brasil que emerge dessa derrota é
uma monarquia escravista e um baluarte reacionário.
O predomínio conservador não eliminou
o anseio pela liberdade e pela democracia, que logo assumiu claramente
a luta pela abolição, pela divisão das terras, pela
autonomia do país e pela república. A abolição
resultou de um vasto movimento de massas, que incluiu os escravos rebelados
contra aquele estatuto iníquo, os setores médios das cidades,
a intelectualidade avançada e os primeiros elementos da classe operária,
luta onde se destacam Joaquim Nabuco e Luís Gama. Foi uma conquista
que eliminou o escravismo e lançou as bases para a transição
para o modo de produção capitalista.
A obra renovadora da abolição foi
completada pela instauração da República, apontando
para um desenvolvimento democrático e autônomo. Correspondeu
a um anseio nacional antigo, mas sua conquista resultou da ação
de políticos moderados, ligados à elite modernizante, que
preferiram mobilizar o Exército para expulsar o imperador, deixando
de lado o povo e seus líderes, como Silva Jardim, Lopes Trovão,
Raul Pompéia e tantos outros tribunos democráticos, afastados
do movimento de 15 de novembro. Derrotada a monarquia, a República
ficou, depois de muita luta, sob o domínio das forças conservadoras.
Sua história foi marcada pelo conflito entre o mesmo programa arcaico
das oligarquias, do colonialismo, da subordinação do Brasil
aos interesses estrangeiros, e o programa republicano conseqüente
e radical, voltado ao atendimento das demandas do país e às
necessidades dos brasileiros, encarando o poder do Estado como instrumento
para promover a democracia, a integração nacional, o desenvolvimento,
a distribuição de terras e a afirmação da independência
nacional.
Outro momento marcante da história foi
o movimento de 1930, que derrotou a República Velha das oligarquias.
Foi o fecho de um processo contraditório que se manifestou já
nos primeiros governos republicanos, quando o projeto de modernização
foi derrotado, conflito cujo desenvolvimento levou, na década de
1920, ao primeiro sinal forte da necessidade de democratização
do Brasil e da conquista de sua independência completa: o Levante
do Forte de Copacabana, de 1922, início do movimento tenentista
e marco da efervescência política dos anos 20, cujo ponto
alto foi a heróica Coluna Prestes/Miguel Costa, que percorreu o
interior do país resistindo às forças oligárquicas
que dominavam o governo federal.
A luta pelas transformações já
tinha a forma aguda da moderna luta de classes, opondo de um lado os setores
mais avançados do proletariado, dos trabalhadores rurais, do povo,
de facções democráticas, progressistas e nacionalistas
da elite, à aliança dos proprietários (latifundiários,
industriais, banqueiros, altos funcionários da administração
pública civil e militar) e seus aliados externos.
O ano de 1922 sinaliza o início do rompimento
com o passado no campo da política, com a fundação
do Partido Comunista do Brasil, emblema da consciência de classe
revolucionária do proletariado brasileiro, que se pôs em pé
com um programa de transformação radical, a substituição
do capitalismo pelo socialismo.
Eram sinais das mudanças que ocorriam
nas camadas mais profundas da formação social brasileira,
um movimento que levou, em 1930, ao início de uma nova fase na história
do país. Nele, a tradição brasileira de transformações
incompletas manifestou-se outra vez. As forças dissidentes das classes
dominantes, no comando daquele movimento, atendendo a seu próprio
interesse de classe, afastaram os trabalhadores e o povo do movimento transformador.
O proletariado avançava em todo o mundo, inspirado pela Revolução
Russa de 1917 e pela construção do primeiro Estado socialista,
exemplo que acentuava o temor da elite aos trabalhadores. Era mais aconselhável
e prudente, pensavam os novos governantes, apoiar-se na força militar
e policial do que mobilizar as massas num movimento que poderia tornar-se
incontrolável. Por isso, disse um líder liberal de então,
"façamos a revolução antes que o povo a faça".
A despeito de seus limites, o movimento de 1930
introduziu o Brasil no século 20. O governo instaurado em 1930 reconheceu
direitos sociais que operários e sindicatos exigiam há muito
tempo; abriu caminho à industrialização e à
modernização econômica e social do Brasil, rompendo,
mesmo que moderadamente, com as imposições estrangeiras e
com as exigências dos aliados internos do imperialismo.
Em 1964, as forças conservadoras implantaram
a ditadura militar, aprofundando a subordinação do Brasil
aos interesses do imperialismo, particularmente norte-americano, e eliminando
arbitrariamente as limitadas conquistas sociais e democráticas alcançadas.
A ditadura sanguinária de 1964 durou 21 anos. Foi derrotada pelo
movimento democrático de massas, a resistência armada do Araguaia,
a luta pela Anistia política, pela Constituinte, o movimento estudantil,
as greves operárias em 1978/1980. Pelas multidões que, em
1984, exigiram Diretas-Já. Apesar das manipulações
espúrias que evitaram a eleição presidencial pelo
voto popular, o colégio eleitoral foi, afinal, palco da queda daqueles
que se opunham às mudanças, com a derrota do candidato dos
generais na última eleição presidencial indireta,
em janeiro de 1985.
Desde há muito, os brasileiros encontram-se
numa encruzilhada histórica, cuja irresolução causa
a deterioração política e institucional, resultado
da falta de sintonia entre os anseios e demandas do povo e do país
com as imposições de governos subordinados às orientações
do imperialismo e de suas agências. A crise do capitalismo de nosso
tempo e a ruína da construção do socialismo na URSS
e no Leste Europeu aprofundaram a ofensiva contra os direitos dos povos
e dos trabalhadores, traduzida agora no programa neoliberal. No Brasil,
o pioneiro desse projeto foi varrido da Presidência da República,
rejeitado pelos milhões de brasileiros que saíram às
ruas no movimento Fora Collor. Mas, desde 1994, a frente conservadora se
recompôs, e seu representante, Fernando Henrique Cardoso, impõe
ao país o mesmo velho receituário da dependência e
da subordinação externas.
Quebrar os grilhões do atraso e da dependência
para construir um novo país
Estes 500 anos têm sido uma época
de revoluções mundiais, inicialmente com caráter burguês
e mais tarde com feição proletária. Grandes nações,
como a Inglaterra, Estados Unidos, França, Rússia, China,
México e Alemanha viveram transformações revolucionárias
e avançaram graças a elas. Mesmo pequenas nações,
como Cuba, Vietnã e Coréia do Norte, afrontaram as potências
imperialistas e iniciaram mudanças profundas.
O Brasil nunca viveu uma revolução
verdadeira - a mudança qualitativa das classes no poder, da economia,
da sociedade e do aparelho estatal. Movimentos revolucionários não
faltam na história brasileira, mas terminaram vencidos, afogados
em sangue. As mudanças ocorridas, mesmo quando impulsionadas pela
participação de amplas massas, assumindo formas radicais
e violentas, permaneceram sob a égide de facções conservadoras.
Por isso terminaram truncadas, incompletas, limitadas a reformas de alcance
restrito, corrompidas pela conciliação com as velhas forças
reacionárias e pelo medo da força do povo. Em conseqüência,
os fatores de atraso nunca foram erradicados em profundidade.
A luta do povo brasileiro contra as adversidades
resultou nesta obra constituída pela integridade do território
nacional, pela cultura e a civilização originais aqui formadas,
pela independência do país, pela conquista de liberdades públicas
e cívicas, embora tênues e sob ameaça, das quais merece
orgulhar-se e que devem ser comemoradas como um salto positivo e altaneiro
deste meio milênio do início de sua formação.
O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) - filho
do povo trabalhador, protagonista e impulsionador das jornadas patrióticas,
democráticas e sociais das últimas oito décadas -
reafirma, por ocasião dos 500 anos, que o Brasil precisa quebrar
os grilhões do atraso e da dependência. Essa é uma
necessidade histórica, um imperativo da crise estrutural que a sociedade
brasileira atravessa. Esta tarefa cabe às grandes massas do povo
brasileiro. Exige, contudo, uma direção segura e determinada,
e o PCdoB dará o melhor de si para forjá-la.
Na alvorada do século 21, o conteúdo
da revolução brasileira só pode ser a superação
do capitalismo e a construção de um novo poder político
e de uma nova formação econômico-social, socialista.
À luz das experiências, conquistas e derrotas do século
20, o Partido Comunista do Brasil defende um socialismo renovado, com feições
brasileiras, que aprende com a experiência mundial do proletariado
mas não copia modelos importados. E, em meio à resistência
antineoliberal em curso, busca os caminhos adequados para a transformação
revolucionária da sociedade.
Ao longo destes 500 anos, em geral as classes
dominantes do país se submeteram às metrópoles em
troca da associação minoritária na pilhagem colonial
e imperialista. Hoje, face à ofensiva mundial do neoliberalismo
capitaneado pelos Estados Unidos, esta elite antinacional verga outra vez
sua espinha e aplica com zelo o receituário imposto pelas autoridades
e agências do imperialismo, vendendo a pátria e extorquindo
o povo na nova
Derrama que leva as riquezas brasileiras para
os cofres da agiotagem financeira globalizada.
Cabe às classes trabalhadoras e aos setores
progressistas e democráticos resgatar a bandeira da nação,
abandonada pela elite antinacional, para que ela tremule cada vez mais
alto na trincheira da resistência antineoliberal, da união
de todas as forças avançadas no Movimento em Defesa do Brasil,
da Democracia e do Trabalho. Nesta contenda de dimensão histórica,
ampara-nos o legado de Aimberê e Zumbi dos Palmares, Tiradentes e
Lucas Dantas, Frei Caneca e Pedro Ivo, Maria Quitéria e Anita Garibaldi,
dos grevistas de 1917 e 1980, dos heróis da coluna Prestes/Miguel
Costa, dos combatentes da Guerrilha do Araguaia e da resistência
urbana contra a ditadura de 1964, de Osvaldo Orlando da Costa (Osvaldão),
Dinalva Oliveira Teixeira (Dina), Maurício Grabois, Pedro Pomar,
Carlos Danielli, Lincoln Oest, Luís Guilhardini e Ângelo Arroyo;
de Carlos Marighela, Carlos Lamarca e Mário Alves; dos cara-pintadas
de 1992; de toda a legião de homens e mulheres que lutaram por este
povo e este país.
Eles nos deixaram um vasto território,
uma grande nação e um esplêndido povo. Prosseguimos
o seu combate; aprendemos com eles; concluiremos, sem falta, no século
que vai raiando, a obra imensa da libertação do Brasil.