Tradição, história e costume
Tudo na Bahia é contraste, movimento,
colorido. Cidade heróica, histórica, romântica, poética,
intelectual. Evocativa, encantadora. De tradição, original,
festeira. Morena, mestiça, gostosa, de samba no pé, do candomblé,
de comidas típicas, de ladeiras, ruas tortas e fortalezas. De coração
nostálgico, de sonhos e superstições. Bahia do contador
de modinha. Do tocador de violão, das festas profanas do Bonfim
e Rio Vermelho. Da mulher do mingau, com sua freguesia certa. Do acaçá
usado em todas as camadas sociais e quase desaparecido. Do acarajé
e abará, que são atrações turísticas.
Da lavadeira descalça com trouxa de roupa na cabeça. Do tempo
da fartura. Do bonde e do bagageiro.
Bahia, de magnífica, ampla e
belíssima enseada guarnecida pelas cadeias de montanhas em cujos
cimos descortina-se deslumbrante paisagem.
Que teve o privilégio de dar ao Brasil a laranja, o coco, o
fumo, cacau, piaçaba, açúcar, ouro, diamante, algodão,
café e petróleo.
De conventos e fortes históricos,
tudo de um passado que honra e glorifica. Que é a verdadeira biografia
do Brasil. Bahia de vários planos ligados pelo Elevador Lacerda,
monumental obra de engenharia, única no mundo.
Bahia, que tem uma praça que
homenageia o expoente da intelectualidade nacional, o orgulho e honra do
Brasil, Ruy Barbosa. O coração da Bahia antiga perpetua o
vulto do seu fundador, Thomé de Souza. Em praça com o
seu nome, o defensor dos escravos, Castro Alves. No Pelourinho, tema
obrigatório de quase todos os artistas. Ponto que atrai o interesse
dos turistas por seu calçamento de pedra miúda que bem combina
com o aspecto colonial desta cidade antiga que é uma relíquia.
Na Bahia ainda encontramos vestígio
do Brasil criança. O Terreiro de Jesus que conserva no centro fonte
de original gosto estético, representando os rios São Francisco,
Jequitinhonha, Pardo e Paraguaçu.
Foi a Bahia de Todos os Santos, “esta
baía é a mais linda e formosa que se sabe no mundo”, como
disse Gabriel Soares, que teve a prerrogativa de instalar a primeira Casa
de Vereação do Brasil. Era de taipa coberta de palha. Nela,
em 1550, ocupou o cargo, como primeiro vereador do Brasil, Felipe Guilherm.
E, também em Salvador, a primeira mulher a exercer esse mandato,
a baiana professora Laurentina Pugas.
A Bahia foi pioneira em quantidade e
qualidade de “Bacharéis Baianos” que estudaram em Coimbra. Em sua
Escola de Medicina, a primeira do Brasil, formou-se a primeira médica
brasileira, a gaúcha Rita Lobato Velho Lopes.
Em Coroa Vermelha, o desembarque de
Pedro Álvares Cabral. Com a chegada dos portugueses, o início
da colonização. Pelos monges franciscanos foi erguida a primeira
igreja, a de São Francisco de Assis. Destruída, em seu lugar
uma cruz, símbolo trazido pelos franciscanos. Dos portugueses herdamos
os hábitos, costumes, a maneira de praticar o credo. Muitas vezes
alterado pelo misticismo africano, oriundo dos pretos que chegavam como
escravos para o trabalho forçado.
Bahia de igrejas suntuosas; de imagens
de madeira, de barro, pedra e marfim; de roupas esvoaçantes como
se o vento por elas passasse impetuoso. Outras, com fisionomias expressivas
dando a ilusão de escutarem as preces que lhes são dirigidas.
Árduas lutas com os índios e ambiente hostil não permitiram
que se pensasse em expressar sentimento criador. A necessidade de alimentação
e habitação era permanente. Até os monges e padres
que moravam em casebres de taipa não cogitavam sequer em ornamentar
as igrejas. De Portugal, tinham trazido alguns quadros para a composição
dos altares. A preocupação era: construir muros com uma das
mãos para, com a outra, se defenderem. Não se lembravam de
usar o pincel.
Aqueles que se dedicam às belas
artes são os encarregados dos preparativos para o desfile em comemoração
aos 500 anos do Descobrimento. Terá início na Praça
2 de Julho, local público que, por seu nome, lembra o histórico
feito de Cabrito e Pirajá e, conseqüentemente, a Independência
da Bahia. Percorrerá a Avenida 7 de Setembro. Data inesquecível
dos brasileiros. Pelo povo, lembradas serão: Ana Neri, primeira
enfermeira voluntária brasileira, cognominada Mãe dos Brasileiros,
e Maria Quitéria de Jesus Medeiros e Joana Angélica, heroínas
da Independência do Brasil.
Segundo Aristóteles: “Em todo
artista a libertação interna de um sentimento que anseia
por ser expresso”. Em todo artista o cultivo do belo e o extravasamento
de tudo que o emociona.
Junot Silveira (*)
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(*) Professor, jornalista, cronista e editor-geral
de A TARDE dominical, onde foi publicado este artigo, em 16 de abril de
2000.
Enviado por: Fernando Tanajura Menezes