Descobriram-nos... e agora comemoramos 500 anos. Grande marco. Mas a pergunta que me povoa a mente é: "Há, efetivamente, o que comemorar?"
Por todo canto, no dia do aniversário dessa terra, o que mais
se ouviu foi a palavra ESPERANÇA: para construir os próximos
500 anos...
O Brasil é um país de gente leve e descontraída,
que se habitua e se situa dentro de todo tipo de confusão. Somos
conhecidos como o povo malandro, esse que dá um jeitinho em tudo.
Temos também a fama da melhor comida, da 'garota de Ipanema' mais
bonita — mulata, negra, loura ou morena —, das praias mais belas, a natureza
exuberante, o clima tropical propício ao passeio na noite de lua
clara, o sentar para admirar o por do sol sempre magnífico — de
qualquer lugar...
Somos o país das riquezas naturais — e da miséria idem.
Nem precisamos mais andar pelos grandes centros urbanos para
saber que a favela alcança nossas calçadas: em qualquer
cidade — Capital ou Interior — quase tropeçamos na 'casa' de alguém.
Em cada semáforo — de Norte a Sul —, há um menor abandonado
a nos pedir ajuda — qualquer uma. Nossas crianças estão sem
escola — muitas entregues ao trabalho forçado —, e, portanto, o
futuro nos reserva um número provavelmente triplicado de analfabetos.
Bom para o Governo: com menos pessoas pensando coerentemente e sem se levar
por promessas que nunca se cumprirão, teremos um sem número
de governantes iguais — ou piores - aos que empossamos a cada eleição
— nós, que somos considerados inteligentes, informados, com opinião
e personalidade formadas.
Nossos cidadãos estão sem emprego — muitos homens e mulheres
de cultura razoável caminham pelo abismo do desespero com a ausência
da perspectiva profissional —, nosso sistema de saúde é precário
- para dizer o mínimo —, nossos idosos tratados com displicência,
todos nós com uma linha muito tênue nos separando do desrespeito
das autoridades. A violência nos confina a quatro paredes — e nem
assim estamos seguros. A própria polícia - que deveria ser
sinônimo de proteção -, está condicionada ao
inverso: também ela nos oferece perigo.
Nem preciso falar em corrupção, não? Nossos ouvidos
não aguentam mais esse vocabulário padrão: CPI's,
propinas, lavagem de dinheiro, super-faturamento, e por aí vai...
Nossos representantes frente ao mundo são de arrasar — literalmente.
E no meio de tanta festa, os índios - 'atores' principais da História Brasileira -, foram renegados ao papel triste da repetição histórica da ausência e da humilhação a que sempre foram submetidos desde o primeiro dia destes 500 que se passaram.. Nosso governo — esse mesmo que despeja lama diariamente sobre nós - perdeu uma oportunidade ímpar de se redimir perante as tribos indígenas — e a toda a sociedade —, pelos cinco séculos de esquecimento para com a cultura nativa.
E olhamos para tudo isso surpresos, como se fosse uma novidade
para nossa inteligência inocente. Só falta Peter Pan
aparecer por aí fugindo do Capitão Gancho e a gente
de repente concluir que aqui é a Terra do Nunca. Ou será
que vivemos no País das Maravilhas? Seremos, cada um de nós,
uma 'Alice' descendo pela toca do Coelho Maluco, entrando e saindo
por portas para mundos diferentes e conhecidos, numa contradição
quase infantil? Será que não corremos o risco de esbarrar
numa Rainha de Copas com um bastão a nos apontar uma sentença?
Mas há que se ter ESPERANÇA... Não vou viver 500
anos para saber o que será feito desse país que hoje
desfila sob nosso
nariz, mas se tudo permanecer como está, nossa descendência
não terá nada muito melhor para contar — e comemorar..