Deixa o galo cantar. Que no seu canto o sol se alevanta. O medo da noite
sai campo fora. Vou fazer sessenta anos. Antes fosse a idade aquela em
que os seios se debruçam confortavelmente sobre a barriga. Os marcos.
Os signos. Os galos. Clarim toca silêncio. Meu pai entrando sozinho
naquele enorme carro de praça. Pós-guerra. Fernando de Noronha.
Meu pai só e mudo naquele caixão. Flores, lágrimas
e palmas. Águia em direção ao sol. Galinha. Galinha
ciscando o terreiro a procura de minhoca. Pintainhos correndo alvoroçados
par jantar. Mãe. Minha mãe e seu ventre volumoso. Parece
que está grávida. Parece que nuca terminou de nos parir.
Parece que retém em seu corpo um pouco de cada um de nós.
Amor. Um amor e meu filho. Outro amor com cinco filhos Netos. Meu marido
fechado em seu esmouque esquife. Foi-se com o vento em uma noite de Natal.
Me abandonou aquele fedepe. Ficou essa dor em mim. Essa dor fininha que
eu penso que já foi. Quando vejo está de novo. Sacanagem!
Mulher é bicho esquisito. Sangra todo mês e não tem
ferida alguma. Carrega na alma um ferida que não sangra. Sangue
derramado na calçada. Foi do menino aquele que esfaquearam. Dez
ou mais facadas. Droga. Mal do século. Novo milênio e o mundo
não acabou. Está igualzinho. Ratos e baratas nos esgotos.
Falta dágua e desemprego. Brasília. Políticos. FHC.
HFC. Signos. Siglas. Dizem tudo e dizem nada. Carnaval. Samba. Avenida.
O Jornal Nacional. Plim-plim. Tudo como dantes no quartel de Abrantes.
Navegar é preciso. 500 anos. Morte e extermínio. Se é
importado vale. Se é gringo merece a terra que é nossa. Merece
o que está acima e abaixo dela. Gringo merece tudo neste Brasil
S.A. O beija-flor vem beijar o hibisco. Tão pequenino e frágil.
Belo e veloz. Tão banal. Tão colibri. A beleza é suave
e essencial. Breve beleza na inocência da menina que troca o corpo
por um baseado. Pobre corpo tão caluniado pelos arautos da alma.
O Lago. A Montanha. A Grande Água. Alegria. Tui. I-Ching.