Belo Horizonte, Domingo 30/04/2000

 Os 500 anos

Pelos quinhentos anos do Brasil, comemorados diversamente no território descoberto pelos lusos, muito se escreveu e muito ainda se escreverá. Não houve apenas gáudio, como desejado, pois a nação não vive um de seus momentos mais felizes e tranqüilos, como conveniente. Até pouca atenção se deu ao fato, em abril publicado, de que os números das contas públicas em fevereiro demonstravam que o superávit primário nacional fora o maior desde 1991.
Outras preocupações residem na cabeça desse povo, um tanto quanto desorientado em meio a um fantástico universo de informações que incessantemente lhe chegam. Os portugueses, entre os quais o presidente que aqui veio, demonstrou entusiasmo pela grande nação que construíram na América, embora reclamando maior intercâmbio comercial, sobretudo. Os brasileiros se dividiam e tinham, e têm razões.
Jornal carioca de 21 de abril, data de acontecimentos significativos na história, usou manchete: “Brasileiro não usa verde e amarelo nos 500 anos", para manifestar sua frustração existente em hora tão relevante. No texto abaixo, citava Pelé: “Tenho vergonha do meu país", no que se fazia acompanhar de ilustres historiadores, cientistas políticos e personalidades, que não se encantam com os dias ora vividos.
Décio Freitas manifestou-se, ele historiador: “Somos um país com mais de 50% da população excluída. Por isso não vingou a tentativa de de se criar um clima de oba-oba nestas comemorações". Gilberto Velho encontra o Estado envolvido por corrupção e violência, enquanto o poeta Ferreira Gullar deplorou: “Não posso ter orgulho de um país cheio de erros e injustiças sociais".
Curiosamente, na mesma edição, o ministro Rafael Greca, da Justiça, exultava-se, afirmando que “estamos escrevendo o prefácio de uma nova nação". Sem embargo, em notícia reduzida, ao lado, publicava-se que o procurador da República, Luiz Francisco de Souza, anunciara um processo contra o próprio ministro, por dispensa de licitação e gastos excessivos para a construção da nau capitânia, usada nas festividades dos 500 anos.
Poder-se-ia usar a expressão vulgar: “É dose". E tamanha que o homem da rua, o que mal se informa porque não tem dinheiro para comprar jornal e conhecer com segurança as notícias veiculadas, se sentirá num torvelinho. Dizer o quê? Sentir o quê? Como julgar? O quê pensar? O que está acontecendo? Para onde estamos indo?
Enquanto se tentava festejar o quinto centenário à altura da grandiosidade da data, as televisões expunham cruamente manifestações de desagrado em várias regiões. O presidente da República, aguardando o ápice das festividades, programadas, procurava dar demonstrações de tranqüilidade, que não coadunavam com seu estado de espírito e as rigorosas medidas de manutenção da ordem.
Mais recentemente, Fernando Henrique começou a revelar-se inquieto com as atividades desenvolvidas pelo movimento dito dos sem-terras, em diversas áreas do território, concomitantemente, obedecendo a rigoroso programa para invasões. Desde o princípio se notara essa disposição, vamos dizer para a mazela ou bélica. O pior cego é o que não quer ver.
Claro que todos desejamos diminuir e eliminar as injustiças sociais, atender aos justos reclamos da sociedade em todos seus segmentos.
Fundamental, porém, é definir como, quando e com quem.

Manoel Hygino dos Santos
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Escritor e jornalista do jornal Hoje em Dia