Carta Minha a Vossa Alteza

Senhor, nesta data em que Vos honro a Excelsa Reverência, escrevo aos 22 dias do mês de abril do sagrado ano de 2000 para Vos anunciar o que Vos tenho dito sobre a descoberta desta abençoada Terra.

Eu, Grande Senhor, descendente de índio, negro ou nobre cidadão da frota de Pedro Álvares, navegador de Vosso Reino, que com 13 naus partiu no Domingo, aos 9 de março de 1500 da cidade de Lisboa, pelo Tejo às correntes do mar Atlântico. E que, 44 dias depois desembarcaram por aqui. Há muito deixaram a marca de Vossa Coroa, a herança ibérica na solene e heráldica presença, da Colônia ao Império e que agora exalta a democrática República.

Digo-Vos que dias de excelsa cortesia estas margens ainda encantam. 500 anos se passaram e Vos asseguro que a grandiosidade destes 8 milhões, 511 mil, 965 quilômetros quadrados de terra e água, graciosamente distribuídos, condensam o que de mais rico possui esta Pátria: a esperança dos 200 milhões de corações do Povo.

Elevam-se torres de aço e fogo, estaleiros, petroquímicas, mineradoras, indústrias de alimento e pesca, pecuária e de serviços. Há 16 milhões de aparelhos celulares ( o povo gosta de falar ao telefone ) e 7 milhões e meio de internautas.

Casarios de cimento, ferro e madeira encharcam as várzeas das bacias hidrográficas, montanhas, vales e o litoral. Ainda hoje entre mocambos, palafitas e tendas indígenas, passando por sobrados, casas simples, populares, os arranha-céus ascendem no horizonte na arquitetura límpida de Niemeyers entre jardins de Burle Marx e esculturas de Brecheret.

Aqui as cores do pendão auri-verde bem o dizem das riquezas, do verde da Amazônia e Mata Atlântica quase devastadas pela fúria de tantos madeireiros e exploração descontrolada de recursos naturais, de solo, rios e subsolo.

Crianças de pele morena e olhos azulados ainda vivem nas ruas e tantas outras em honradas escolas, crescem para sustentar em tenra idade a subsistência de valorosas famílias. Universidades se expandem, a cultura popular se engaja e registra belíssima influência na formação pacífica de um Povo que é como grandioso vitral de cores, etnias, credos e valores, na beleza sensual de suas mulheres e na força de trabalho das mãos operárias... sempre generosas.

Afortunado o coração desses Irmãos que deslumbram dias melhores na melhor economia do mundo, de indústria pujante e agricultura majestosa. A criatividade e a coragem se derramam. Nestes cidadãos onde a felicidade parece provisória e adiada por causa de uma minoria imprudente que lhos rouba forças, denigre o perfil de uma justiça social em um país tão cheio de solidariedade, honra e entusiasmo. Aqui o futebol é quase religião e misturam-se Deuses: Olorum, Alá, Tupã, ou Buda. Jeová, Jesus ou Khrisna no Olimpo dos Orixás e natureza, num ecumenismo invejável.

Agrada-lhes o Carnaval, os ritmos mais ricos de grandioso folclore. A música popular povoa os quatro pontos cardeais. Artes não economizam em poesia, Senhor. Ouve-se Carlos Gomes, Villa Lobos e Vinícius de Moraes.

Os meios de comunicação tornaram-se a amálgama das diversidades e a elevação do nível de imprensa falada e escrita. A televisão emoldura o gosto popular, o jornalismo é crítico e sempre trazem a literatura de bom valor às telas deste veículo há 50 anos no ar. Os campeonatos são  disputadíssimos: futebol, vôlei, iatismo, têrnis, basquete, entre outros esportes olímpicos e campeonatos mundiais. São verdadeiros príncipes nas quadras e enobrecem as cores da bandeira.

Aqui a febre á a paixão por si mesmos, entre vícios e virtudes, sonhos e declarações.

Os ídolos são muitos. Lembram Carmens, Franciscos, Marias e Josés. Para cá migraram do Oriente, da Ásia, África, Europa e outras Américas como novos brasileiros na indumentária de guerreiros das vicissitudes e vencedores das contrariedades. Aqui as CPIs  continuam dando trabalho e pediram mais 10 bilhões de dólares ao FMI dois anos atrás.

Reservas indígenas ainda resistem desde Nóbrega. E, despejados como os retirantes do sertão, norte e nordeste, aliviam-se na esperança de receberem maior zelo governamental. São parecis, ianomâmis, hahaiteçus, caingangues, guaranis, tupis e txucarramães. Axuaras e nhambiquaras, todos redescobertos por Rondon, os irmãos Villas-Boas e Darci Ribeiro. E que aqui
viviam há pelo menos 12 mil anos atrás... A capital mudou para o centro-oeste e se chama Brasília.

Pelos roteiros e paragens ouvi Jobim, Titãs, Pixinguinha, Cazuza e Chiquinha Gonzaga. Atravessei a serra, o agreste, o pampa, a caatinga espinhenta e o pantanal viçoso. Vi caboclos e nisseis, mulatos, cafuzos, descendentes de italianos, espanhóis, da Alemanha, poloneses, russos, judeus, árabes. Migrantes outras Pátrias além-mar.

O comércio é de todo forte nos mercados internacionais e a moeda esforça-se em fortalecer-se a cada ano. A globalização dita princípios apesar do desemprego e a indiferença muito grande de técnicos responsáveis. Vejo viúvas, aposentados, assalariados, professores, camponeses, metalúrgicos e estudantes que às vezes levantam barricadas ou saem pelas ruas de cara
pintada, fazendo passeatas ou cantando o Hino Nacional. Teve golpe militar em 64 e anistia logo depois.

Nos céus desfilam grandes aeronaves inventadas por Santos Dumont, dizem que até discos voadores, Senhor. E pelos mares, além das 200 milhas, grandes navios abarrotados de grãos alimentam o mundo. Petroleiros vão e vem. As manufaturas de grandes e médias indústrias, enobrecem as exportações. Aqui de tudo dá quando plantado e tudo se faz quando descoberto. Protegidos todos os quadrantes por ecologistas e forças armadas, a juventude é muito séria, Senhor.

Nas artes esnobam, Grandiosíssima Alteza: Semana de 22, Barroco Colonial, Caribé, Di Cavalcanti, Ciron Franco, Rugendas, Portinari e Debret. Nas letras avassalam: Machado de Assis, Veríssimo, Lobato, Drumond e Bandeira...

Clarisse, Raquel... Quintana e Amado. E Orfeu foi generoso aos poetas Caetano e Chico Buarque, rodeados de músicos de igual valor: Luís Gonzaga, Djavan, Jorge Ben Jor., Gil e João Gilberto. No cinema comovem, na dramaturgia se enlevam. Os heróis são tantos! Isabel, Dom Pedro, Tiradentes, Caxias, Dom Hélder, Ulisses e Tancredo, Chico Mendes e Betinho.

Permita-me também falar da culinária, saborosa, típica e nutriente. Da feijoada do Rio ao vatapá da Bahia, do churrasco do Sul aos frutos do mar e tapioca do Nordeste, frutas silvestres e licores do Norte, o charque, a macaxera, os vinhos, cerveja e aguardente. Todo na graça de uma natureza exclusiva e transformada. Flores de explodir a primavera, Senhor, fauna espetacular que de tão linda a mim encantará por muito tempo. Às vezes neva no sul e chove muito no norte.

E as crianças, Dom Manuel? Têm um brilho inquebrantável, de todo particular exuberante, como a luz dos mais velhos inclinados na fortaleza do espírito. Olhos de antepassados, ora negros como a jabuticaba doce, ora azuis da cor do céu, plumas de araras, ou verdes como as enseadas do mar refletindo a exuberância das palmeiras (de Pindorama!), castanhos como a areia em que Padre Anchieta escreveu versos à Virgem Maria.

E é daqui, desta força telúrica e sensorial, em nome da padroeira deste Povo, Nossa Senhora Aparecida, na paisagem lírica dos templos e relicário de tantos amores, reino da ordem e do progresso que vos falo, de um tempo tríbio, onde passado, presente e futuro se encontram na estampa da Vida.

Com grande honra Vos saúdo, Alteza de Portugal, agradecendo deste Porto Seguro, de Vossa Ilha de Vera Cruz, ter enviado modesto homem, de estima e bom caráter, nosso nobre Senhor e serviçal desta Coroa, Pedro Álvares Cabral.

Despeço-me nas saudações cordiais e as mais sinceras

Nesta carta, humilde e evidente, deste fiel brasileiro que Vos fala.


Júlio César Correia da Silva
Enviado por: Eliane Malpighi