TRABALHO DE TODO DIA

O dia do trabalho, 1º de maio, nos traz  à lembrança, a partir de 1994, o nome de um grande trabalhador: Ayrton Senna.  Que jamais seja esquecido.  Vamos escrever algo sobre Ayrton Sena a motivação que representa e pode representar para nós brasileiros na busca  criativa de modos para melhorar este país, na mobilização coletiva para dizer um "basta" a muita coisa desagradável que temos de suportar ou tomar conhecimento da existência no dia a dia, coisas tais onde se observa, no mínimo, o desrespeito pelo ser humano, a falta de reverência. Já nem digo a agressão e morte.  Mas antes, demos um pulo até  Norte América. Vamos tecer alguns comentários sobre Oscar Robertson: um jogador  primoroso e um primoroso caráter,  venerado lá.
Certo dia quando o time da universidade  deixava o estádio, após um jogo, um moço chutava, distraidamente, uma bola de  basquete no chão de cimento.  O grande astro, horrorizado, abordou o jovem e disse:  — Você vai destruir essa bola!   O atrito vai ralar a textura de modo desigual e isso vai desequilibrá-la totalmente.  A família de Oscar Robertson nunca pudera lhe comprar uma bola de basquete.   Ele apanhava pedras e latas e passava horas atirando esses objetos para dentro de uma roda retorcida, suspensa em uma quadra pública.
Compreendem o motivo por quê Oscar ficou horrorizado pelo fato de alguém estar ralando uma bola no cimento?  A bola foi para o "Grande O" um instrumento de seu trabalho, a cujo manuseio dedicou considerável parcela de sua existência.  A bola de basquete foi o instrumento apto para Oscar superar muitos pês: os pês de muitas privações: privações da  pobreza e privações do preconceito.

Ayrton Senna nos deu exemplo de grande dedicação a seu instrumento de trabalho: o carro.  Ao lado de ser um grande piloto, Ayrton era um grande conhecedor de seu instrumento de trabalho.  Foi um grande  trabalhador, dentro e fora dos carros.  Um dos fatores de seu sucesso foi justamente saber localizar as falhas e recomendar aos mecânicos os ajustes de maior conveniência para o veículo.  Uma falha no seu último carro em uso teve conseqüências fatais para o Grande Piloto, grande brasileiro e grande pátria.
Os norte-americanos tiveram e têm grande reverência por Oscar Robertson e nós, ainda mais, penso, temos por Ayrton  Senna.
Nesta época em que se comemoram os 500 anos do feito dos Navegadores e do Descobrimento do Brasil, praz-me ressaltar: tenho grande reverência pelos navegadores que puseram os pés em Porto Seguro, em 1500, reverência por sua  capacidade e heroísmo. Pergunto:
— Que sentimentos nutriram estes e os que vieram a seguir pelos primitivos habitantes daqui?
— Como saber?
Sejam quais sentimentos tenham sido, houve muitos acontecimentos indesejáveis ao longo desses 500 anos.  É impossível  fazer o tempo rodar para trás para preservarmos os povos indígenas e sua cultura, as matas e os rios, para impedir de o  ouro aqui descoberto ter ido para a Inglaterra, antes da independência, etc...
Nos começos do Brasil tivemos mais um exemplo de a civilização destruir a cultura: no encontro da civilização com a cultura, esta sai perdendo no mais das vezes. Nos dias de hoje os antropólogos, os sociólogos e outros cientistas dão grande valor às relações comunitários dos “povos  selvagens”, dentro da família e inter familiares, ao contrário do nosso individualismo egoísta do cada um por si, por desconhecimento de que a interdependência — salvo situações extremas — entre as pessoas é melhor que a dependência e que a independência, do levar vantagem, etc.
Assim, para Antônio Carlos Magalhães, e mesmo para nós, o fato de o índio Henrique Iabaday ter apontado uma flecha em  direção ao peito do ex-governador da Bahia  parece se constituir em uma grande ofensa, mas na mentalidade do índio, ele estaria apontando a flecha para um símbolo de todos aqueles que destruíram ou prejudicaram suas instituições, sua terra e seu povo, especialmente o senador baiano que distribuiu terras das reservas dos índios a fazendeiros.
Passou, passou. Poder-se-ia perguntar: o bem que deixamos de fazer ao longo dos 500 anos foi pior que o mal feito pelos  europeus e povos de outras nações em igual período?  Guerras, revoluções, etc... em nada respeitam, nem reverenciam a vida e as pessoas.
É certo que não, mas poderiam retorquir: se o Brasil tivesse produzido todo bem a seu alcance haveria mais opções, e... face ao princípio da solidariedade, segundo o qual tudo o que se faz ou se deixa de fazer reflete nos outros, quem sabe poderíamos ter sido uma opção a maios ou um modelo para outras nações.
Voltemos à reverência e ao dia do trabalho: reverência a Ayrton Senna, um grande trabalhador e grande patriota, ao qual proponho minha homenagem no sexto aniversário de sua morte através do poema:

Lembremo-nos do que escreveu Carlyle:  Carlyle escreveu que a História, ou seriam as Nações?!, são construídas por heróis, por mártires e por santos? Todo aplauso e honra a eles.  E nós outros?   Somos livre em nossas decisões e participação, mas vamos ficar de braços cruzados, à espera de os heróis, os mártires e os santos criarem um mundo melhor?! De jeito algum!  Vamos construir, um pouquinho que seja também. Construirmos, por primeiro, a nós mesmos. Será ser isto uma fonte de satisfação, um desafio constante — ao menos contra  a rotina —, um convite a remover a pedra do caminho ou a descobrir um caminho, através dela,  ou a colocarmos sobre ela outras pedras a fim de podermos olhar mais longe, após a escalada. A construção de nós mesmos é um trabalho de todo dia.
Podemos, se nos decidirmos,  seguir o exemplo dos heróis, dos mártires e dos santos; podemos seguir o exemplo de Ayrton Senna, morto no dia do Trabalho, dia que era seu também, pois foi, em toda extensão, repita-se,  um aplicado trabalhador.   Sim, vamos seguir seu exemplo, no trabalho,  no intuito de somar nosso talento e nosso esforço e nossa criatividade à construção do bem comum. Vamos descobrir um meio, um instrumento de trabalho, que nos ajude a nos construirmos e a levar estímulo a quantos  pudermos para que tudo ou muita coisa possa mudar.
Não se nos apresentem, pois não nos servem para os fins pretendidos, uma bola de basquete a ser atirada milhares de vezes ao cesto, nem  um carro a ser pilotado, em dias de corrida, com esforço até quase o limite da resistência humana.  Não nos proponham baionetas nem espada, pois agressão à pessoa do outro não tem se mostrado eficaz para construir a justiça e a paz.   Queremos um instrumento de trabalho que nos motive, que eleve nossa sensibilidade, nossa capacidade de nos compreendermos e de partilharmos uns com  os outros nossa vida, nossa vida interior, nossa criatividade e nosso trabalho.  Talvez poemas? Milhares, milhões, através de poemas, poderão encontrar inspiração no intuito de ser, de poderem ser protagonistas e destinatários das necessárias mudanças a se operarem por uma urgência até de sobrevivência.
Pergunto:  Vamos procurar provocar mudanças ou vamos nos resignar diante dos processos degenerativos em andamento?
Temos outros heróis a nos inspirar: Pelé, um Grande Oscar também, Ruy Barbosa João do Pulo, o Aleijadinho, Anchieta,  Pedro II, Irmã Dulce, Maria Esther Bueno, Hortênsia, Trancredo e Dª Risoleta sua esposa,  Éder Jofre, Popó e muitos outros...
A todo tempo e em toda extensão: reverência pelas pessoas, pelos relacionamentos, pelos instrumentos de vida e de trabalho; pela cultura, buscando por a serviço do bem comum a tecnologia oferecida pela civilização.
Vamos trabalhar para que uma Bandeira Dobrada se desfralde e tremule novamente, por seguir seu exemplo de trabalho e  de dedicação.


O FIM DA UNIVERSIDADE

O Encarte "Mais" da Folha de S. Paulo. De 4.6.200, abarca reflexões a respeito da dissolução do ensino superior, a partir de textos de vários.

Laymert Garcia dos Santos comenta que "o primeiro ministro britânico Tony Blair, preocupado com o futuro das universidades após dez anos de sistemática desvalorização social e econômica de seus professores, decidiu promover uma reforma que restituísse à carreira docente a importância que já teve na sociedade. ...o governo inglês descobriu que os melhores talentos das novas gerações não se sentem mais atraídos pelo ensino e a pesquisa... numa época que vincula diretamente a supremacia à educação. Os ingleses já sabiam que na era da informação o capitalismo de ponta é "knowledge based", como eles dizem; agora parecem ter se dado conta de que precisam investir em educação se quiserem continuar existindo e contando, como nação e como povo."

Bem a eles não faltam recursos.

E no Brasil? No Brasil "a universidade brasileira está acabando", afirma o articulista e acrescenta: "Talvez a universidade esteja acabando porque lo projeto de construção da sociedade brasileira moderna também está acabando, talvez um ensino superior forte e atuante não faça mais sentido na condição neocolonial em que nos metemos."

Nem vamos noticiar aqui a evasão de cérebros pensantes do Brasil, formados às expensas de universidades pagas com dinheiro do povo. Nem vamos trazer para cá as afirmações de que a política do FMI para os países pobres está matando mais gente que o holocausto.

Afirma, ainda o articulista que:

"As autoridades não se sentem mais responsáveis por nada do que acontece na esfera pública, não tem mais que prestar contas a ninguém. É que os governos só estão comprometidos com o desmanche das instituições e dos direitos, deixando a gestão dos seus efeitos perversos para a tropa de choque e os especialistas de marketing".

Ricardo Musse ressalta: "O desmonte da universidade brasileira ocorre no exato momento em que, no núcleo central do sistema capitalista, a universidade, em crise desde os anos 60 recupera sua importância histórica e social".

Luiz Costa Lima: "O ensino entre nós é uma forma de negócio; ensinar a pensar, ensinar a pesquisar são antiqualhas, o que importa é dispor de muitas máquinas – nós que apreciamos tanto o exemplo americano mostramos que dele só aprendemos o mais superficial".

Exemplo americano?!!!

A CORROSÃO DA MORAL

Na mesma edição de "Mais", o cientista político americano Francis Fukuyama, em a Grande Ruptura, "aponta a corrosão da moral, onde relativiza sua tese sobre o fim da história e afirma que a consolidação da democracia liberal nos países desenvolvidos foi acompanhada de uma séria deterioração das condições sociais. Fukuyama postula a existência de um núcleo duro da "ordem moral", que estaria sendo corroída, em algumas sociedades desenvolvidas, por uma combinação complexa e indeterminada de fatores, que ele às vezes localiza na condição humana, às vezes no capitalismo, às vezes num movimento cíclico da história."

"Mas antes que o autor tenha chegado a alguma conclusão convincente sobre a origem dos bons sentimentos espontâneos, ele mesmo contra-argumenta, dissecando as limitações dessa ordem natural e espontânea, e acaba concluindo que ´a autoridade hierárquica, na forma de religião e de autoridade política, é necessária para a criação da ordem social e da totalidade das normas que chamamos de cultura`."

Depois, na última frase do livro: "não há nada que garanta que haverá mudanças para melhor no ciclo e nossa única razão para esperança é a poderosa capacidade inata humana para reconstituir a ordem social".

Que vão fazer eles? Eles os homens lá de cima?

Que vamos fazer nós?! Nós os pobres cá de baixo?

Diógenes Pereira de Araújo