Na História
da Humanidade, os descobrimentos de novas terras tiveram o caráter
de conquistas, porque não se tratava apenas de aportar em um novo
continente e informar ao mundo sua descoberta, mas de afirmar que estava-se
anexando ao reino mais uma colônia, estendendo suas fronteiras.
Como as terras
descobertas eram, via de regra, habitadas, sua população
nativa também fazia parte do patrimônio obtido.
Aí entra
a conotação de conquista: quando uma nação
queria tomar o território de outra, guerreava-a e, se vencedora,
a anexava..
No caso dos
descobrimentos, muitas vezes a etapa da guerra não se tornava necessária.
Como os descobridores eram sempre muito superiores em poderio bélico
e muito mais maliciosos, a dominação se fazia pela simples
ocupação, com pouca ou nenhuma reação, e pela
subjugação da cultura nativa pela cultura civilizada, por
processos de imposição e de absorção.
As civilizações
dos peles-vermelhas (os índios norte-americanos), dos indígenas
brasileiros, sul-americanos e centro-americanos em geral, inclusive os
adiantados aztecas, incas e maias, dos negros africanos, dos aborígenes
australianos, e tantas outras, foram conquistadas, subjugadas, massacradas,
absorvidas, arrasadas, vilipendiadas, humilhadas, nos processos de ocupação,
saque e exploração seguintes aos descobrimentos.
Vê-se
que o descobrimento nada mais é do que um detalhe no processo de
conquista. Ou seja: só não se conquistara antes o que estava
fora do alcance. Bastava descobrir os novos territórios para iniciar-se
o processo de conquista, com todas as conseqüências habituais
sobre o povo conquistado.
Ter noção
disto é ter consciência da mesquinhez humana, de sua cobiça,
crueldade e torpeza.
Adquirir essa
conscientização é essencial para o aprimoramento do
ser humano, para o seu progresso moral e, por que não assumir, espiritual.
O descobrimento
do Brasil, há 500 anos, não ficou atrás nas mazelas
que acompanham as conquistas. Os donos da terra, os índios, foram
roubados, espoliados, escravizados. Sua cultura quase desapareceu no processo
de aculturação imposto pelos padrões europeus.
Entretanto,
esse descobrimento — em termos globais — não
seria em si danoso não fosse o descobridor o ser atrasado que éramos
e continuamos sendo (não estamos jogando o Globo na lixeira, degradando
o ambiente, utilizando sem reservas os recursos naturais, sem nos importarmos
com o futuro? Não continuamos a fazer guerras e conquistas?
Não mantemos a maior parte dos habitantes da Terra em situação
de pobreza, vivendo uma enorme parcela dos pobres na mais absoluta
miséria?
Por mais que
tudo isso seja verdadeiro e terrível, também é fato
que os descobrimentos, com a exploração de novos territórios,
suas riquezas e a expansão do mundo propiciaram progresso, abertura
de novos campos, melhoria do nível de vida, mais trabalho, maiores
horizontes, aprendizado, crescimento: e a própria experiência
humana, pela constatação do seu grau de baixeza e vileza,
pôde determinar a revisão de valores, o aprimoramento das
virtudes, o enriquecimento da consciência, processo dialético
que vem se desenvolvendo através dos tempos.
Parece uma fatalidade
no desenvolvimento da raça humana que ele deva fazer-se através
de guerras, catástrofes, intempéries, barbaridades. O progresso
está intimamente ligado às atividades belicosas, à
ocorrência dos terremotos e demais cataclismos, à incidência
das pestes. Para superar o adversário na força e no poder,
inventam-se armamentos, artefatos, técnicas e mecanismos que, tempos
depois, vão estar incorporados à cozinha doméstica,
aos veículos, aos escritórios, aos hospitais, a tudo, enfim.
Cada terremoto, cada furacão, cada nova doença, cada dificuldade
que se apresenta ao ser humano constitui o desafio a ser vencido e que
gerará uma nova descoberta ou aprimoramento.
Festejemos
os aniversários de descobrimento do Brasil. É’ graças
à descoberta, que ocorreria mais cedo ou mais tarde, que estamos
aqui. Por mais que a visão das nossas origens e do mal praticado
contra os povos nos façam arrepiar a espinha e ainda nos doam na
alma, é por tudo isso que somos esta mistura de raças, culturas
e valores — nem melhores, nem piores do que quaisquer outras:
apenas diferentes.
Vamos comemorar
cada aniversário e aproveitemos as festas para lembrar que podia
ter sido melhor, que não precisava ter acontecido daquele jeito,
com tanto barbarismo, e que podemos ser, hoje, melhores, sem tanta cobiça,
com respeito pelos demais seres humanos, com os olhos voltados, também,
para os que vão nos suceder neste mundo, nossos filhos, nossos netos,
tataranetos...
A História
é a narração dos erros e acertos da Humanidade. Cultivemos
o passado como uma lição e perdoemo-nos pelos pecados
que cometemos e dos quais nos arrependemos: afinal, não sabíamos
o que estávamos fazendo.
Goiano Braga Horta