CIDADES BRASILEIRAS
GUIA PRÁTICO DA CIDADE DO RECIFE

            A PRAIA

Mas não é só junto ao rio
que o Recife está plantado,
hoje a cidade se estende
por sítios nunca pensados
dos subúrbios coloridos
aos horizontes molhados.
Horizontes onde habitam
homens de pouco falar
noturnos como convém
à fúria grave do mar.
Que comem fel de crustáceos
e que vivem do precário
desequilíbrio dos peixes.
Nesse lugar, as mulheres
cultivam brancos silêncios
e nas ausências mais longas,
pousam os olhos no chão,
saem do fundo da noite,
tiram a angústia do bolso
e a contemplam na mão.
Só os velhos adormecem,
embrando o tempo que foi
vazios como o vazio
e fácil sono de um boi.

  

                                            O BAIRRO DO RECIFE
Ali que é o Recife
mais propriamente chamado
com seu pecado diurno
e o seu noturno pecado,
mas tudo muito tranqüilo,
sereno e equilibrado.
No andar térreo, moram os bancos
(capitais da Capital)
no primeiro, a ex-austera
Associação Comercial,
no segundo, a sempre fútil,
Câmara Municipal
e, no terceiro, afinal,
está a alegre pensão
da redonda Alzira, a viga
mestra da prostituição.
Mas como vivem tão bem,
em tão segura união,
qualquer dia, todos juntos
vão fundar a Associação
dos Múltiplos Pecadores,
com banqueiros, comerciantes,
prostitutas, vereadores,
ingleses do British Club,
homens doentes e sãos,
pois o camelô já disse
que somos todos irmãos.

Esse é o bairro do Recife
que tem um cais debruçado
nas verdes águas do Atlântico
e ainda tem o cais do Apolo,
apodrecido e romântico,
beleza que ainda resiste
lá nos desvãos da memória
deste bairro que se escoa
pela Ponte Giratória,
que é uma estranha armação
que agüenta em seu férreo dorso
automóvel, caminhão
e trem de carga bem cheio,
mas não resiste às barcaças
que a fendem de meio a meio.

Do "Livro Geral", org. e seleção de textos Tania Carneiro Leão, ed. da autora, 2ª ed., 1999, PE
Carlos Pena Filho