GLAUCOMATOPÉIA [#4]

[1] Quando escrevi que Moysés Sesyom não foi um vanguardista do glosismo, em nada o desmereço, pois seu valor está justamente na consolidação do gênero, ao fixar a quadradécima sobre mote dístico e legar seu exemplo a toda uma escola de glosadores no decorrer do século XX. Ocorre que o bordelismo é ainda mais remoto que o cordelismo, pois a matriz ibérica da glosa, capitaneada por Bocage, teve seu expoente brasileiro já na segunda geração romântica: Laurindo Rabelo (1826-1864), um crioulo pirulão apelidado Poeta Lagartixa que, revoltado demais para se formar médico, militar ou padre, se mandou da Corte carioca para o sertão baiano, onde aprendeu a "pelejar" com o repentista Moniz Barreto e virou um Bocage tupiniquim. Tanto a poesia fescenina de Bocage quanto a de Laurindo foram compiladas por mim em páginas da rede virtual, disponíveis no portal POP BOX:
http://planeta.terra.com.br/arte/PopBox/bocage.htm
http://planeta.terra.com.br/arte/PopBox/laurindo.htm

[2] Era mais freqüente, no tempo do Lagartixa, a quadradécima glosando motes propostos em forma de trova (quadra), recaindo cada um dos versos no décimo verso de cada décima, donde serem necessárias quatro décimas para cada mote. Futuramente examinaremos essa modalidade, hoje em desuso. Mas Rabelo também usava a quadradécima no sentido posteriormente adotado pelos sesyomistas, onde os dois versos do mote recaem no quarto e décimo da glosa. Investigando os antecedentes do cabramachismo na poesia nordestina, escolhi este mote bem brasileiro (e baiano, claro), glosado pelo mulatão em numerosas variantes, das quais separei duas como exemplo:

A MULATA, QUANDO FODE,
PARECE QUERER VOAR!

Neste mundo ninguém pode,
Nem os melhores pintores,
Retratar com vivas cores
A MULATA QUANDO FODE;
Não há poema nem ode
Que a tanto possa chegar;
Só se pode experimentar
Da mulatinha o trabalho,
Quando em cima do caralho
PARECE QUERER VOAR!

Dá de rabo quanto pode,
Já se apressa, já demora,
Vira os olhos, geme, chora,
A MULATA QUANDO FODE.
Ela faz que o cono rode
Como um fuso e sem parar
Desce à terra, sobe ao ar,
Chupa a língua, dá dentada,
E, em luxúria banhada,
PARECE QUERER VOAR!

[3] Passei a bola ao craquíssimo Bráulio Tavares, que matou e tabelou, atualizando o refrão da era imperial:
Buceta que bem sacode,
Cheiro de gata no cio:
Por isso que eu aprecio
A mulata quando fode.
Nega criada com Toddy
Marréta sem se cansar
E na hora de gozar
O pinguélo fica em brasa,
Meu caralho cria asa,
Parece querer voar!
[4] Já o ceguinho aqui também teve seu fraco pela pele escura, mas não propriamente daquelas do Sargentelli, e sim a do sargentão ou de seus comandados, ainda que já dispensados do serviço militar e militando no serviço dispensável, isto é, na gandaia. Principalmente estes, que em bom português atendem pelo nome de malandros ou, mais recentemente, de malacos. Tais manos figuram assiduamente em minhas glosas, como esta que responde ao mote acima:
Vem dum grupo de pagode
O negão que em mim quer festa.
Tem tal pau, que até molesta
A mulata, quando fode.
Mas não é seu pau de bode
Que ele emprega ao me gozar.
O fedor que arde no ar
Sai do seu pé, que me excita,
No qual minha língua, aflita,
Parece querer voar!   [8.47]
GLAUCO MATTOSO
poeta, letrista, ficcionista e humorista. Seus poemas, livros e canções podem ser visitados no sítio oficial:
http://sites.uol.com.br/glaucomattoso