GLAUCOMATOPÉIA [#27]

[1] A graça da poesia fescenina está justamente em atentar contra o pudor das mentes mais recatadas. Falassem os poetas punheteiros apenas de e para colegas de putaria, a coisa tornar-se-ia maçante como as vitrines de pornoshops numa rua de Amsterdam. Virgindades violadas e castidades debochadas são o tempero mais apimentado da receita, principalmente quando a malícia do poeta flagra situações ambíguas, entre a ostentação do recato e a tentação do pecado. Foi assim que brinquei com a pretensa inocência de certas meninas:

SONETO 374 NINFETA

Dedico-te esta dádiva, ó Dolores,
musa divina, diva doidivanas!
Recebe de presente estes sacanas
bichinhos de pelúcia chupadores!

Serão teus companheiros quando fores
brincar de bestialismo. Sem as xanas
de tuas amiguinhas ou das manas,
te sentes tão sozinha e tens tremores!

Coitada da Dolô! Quem dera fosse
dotada duma mansa passarinha!
Mas não! É uma ninfômana precoce!

Já desde pequenina se entretinha
em jogos. Ao invés da bala doce,
chupava e era chupada na tetinha.

[2] Bocage fala de putas que trepam como freiras, mas também se deleita com a inexperiência de algumas "parceiras", como no soneto abaixo, ao qual cabe ressalvar o emprego de termos como "bimba" ou "porra" num sentido diverso daquele que têm hoje no Brasil: "bimba" (que entre nós é pinto) era a cona (que Bocage costumava usar no masculino "cono"), e "porra" (que entre nós é o esperma ejaculado) era o próprio pênis:
[SONETO DA MOCETONA PUDIBUNDA]

Levanta Alzira os olhos pudibunda
Para ver onde a mão lhe conduzia;
Vendo que nela a porra lhe metia
Fez-se mais do que o nácar rubicunda.

Toco o pentelho seu, toco a rotunda
Lisa bimba, onde Amor seu trono erguia;
Entretanto em desejos ela ardia,
Brando licor o pássaro lhe inunda.

C'o dedo a greta sua lhe coçava;
Ela, maquinalmente a mão movendo,
Docemente o caralho me embalava;

"Mais depressa" — Lhe digo então morrendo.
Enquanto ela sinais do mesmo dava;
Mística pívia assim fomos comendo.

[3] Quando desentranhei deste soneto os motes martelados a fim de glosá-los na praxe agalopada, considerei, no primeiro caso, fálica a acepção de "bimba" e, no segundo, seminal a acepção de "porra". Quanto ao tema, revisitei, como de hábito, uma infância precocemente violentada. Quanto à forma, a primeira glosa tem, por força do mote monorrimado, alterado o esquema tradicional para ABBAAAACCA:
LISA BIMBA, ONDE AMOR SEU TRONO ERGUIA;
ENTRETANTO EM DESEJOS ELA ARDIA...

Na memória, a fatal periferia
Onde tudo se deu mantém-se intacta,
Inclusive o guri do qual me jacta
Lisa bimba, onde Amor seu trono erguia!
Era o líder quem mais se divertia
Na patota que usava por bacia
Minha boca, de mijo hoje vazia...
Não supunha a turminha que a punheta
Consolasse-me a tímida caceta;
Entretanto, em desejos ela ardia! [8.95]
 

DOCEMENTE O CARALHO ME EMBALAVA;
"MAIS DEPRESSA" — LHE DIGO ENTÃO MORRENDO.

O sebinho, a saliva, água que o lava;
Tudo ali, mijo, porra, era salgado!
Mas, enquanto por mim era chupado,
Docemente o caralho me embalava!
Eu estava na quarta, ele na oitava,
E hoje só duma coisa me arrependo:
Não ter sido mais vezes, neste horrendo
Mundo escuro, fodido como então!
Mas compenso pedindo ao pau na mão:
"Mais depressa!", lhe digo, então morrendo. [8.94]
 

GLAUCO MATTOSO
Poeta, letrista, ficcionista e humorista. Seus poemas, livros e canções podem ser visitados nos sítios oficiais:
http://sites.uol.com.br/glaucomattoso
http://sites.uol.com.br/formattoso