GLAUCOMATOPÉIA [#39]

[1] Dizem que choro é sinal de fraqueza e que, portanto, homem não chora. Disso se deduz que entre dois homens inimigos a melhor vingança possível seria, para um deles, ver o outro chorar, e, melhor ainda, fazê-lo chorar. Mas nem sempre o choro representa a entrega total dos pontos por parte do vencido. Se na mulher o choro pode ser uma arma dissuasiva ou persuasiva, no cego que desabafa em poesia a lágrima pode ser um trunfo, motivo deste meu soneto:

SONETO 660 DESFORRADO [a Milton Neves]

Bem feito! Quem mandou me ler? Agora
vai ter que me engolir com casca e tudo!
E mesmo quando, em parte, me desnudo,
quem prova sente nojo e cospe fora.

"Bem feito!" (é o que se diz ao cego) "Chora!"
Eu choro, mas em vez dum pranto mudo
converto o desabafo em verso agudo,
tão grave quanto um frade que não cora.

Sem papas, meus buracos escancaro
e os olhos dos leitores esbugalho
ao verem que a derrota vendo caro.

E a quem acha bulhufas o que valho
das tralhas mais baratas sou avaro
de modo a indecifrar-lhe meu trabalho.

[2] Entre glosadores o choro pode dar motivo a motes debochados, como este, glosado assim pelo paraibano José de Souza:
ENCONTREI HOJE CHORANDO
QUEM RIU DE MIM NO PASSADO.

Saí na rua sonhando
Com uma antiga comida;
A quem mais fodi na vida
Encontrei hoje chorando.
Ontem viveu me gozando
Porque eu tinha broxado;
Hoje, de pau levantado
Ela de mim vem atrás,
Mas eu não vou comer mais
Quem riu de mim no passado.

[3] Minha interpretação do mesmo mote coloca a questão entre dois homens, mas quem chorou não é o perdedor:
Ele dizia: "Eu que mando!"
No tempo em que me humilhava!
Mas, saudoso duma escrava,
Encontrei hoje chorando
O mandão, que, com seu bando,
Fez do ceguinho um viado!
Ao ter-me reencontrado
Mais cego, ele já não chora,
E rirá melhor agora
Quem riu de mim no passado! [8.73]
GLAUCO MATTOSO
Poeta, letrista, ficcionista e humorista. Seus poemas, livros e canções podem ser visitados nos sítios oficiais:
http://sites.uol.com.br/glaucomattoso
http://sites.uol.com.br/formattoso