GLAUCOMATOPÉIA [#47]

Hoje escolhi outro soneto de Martins Fontes, desta vez para glosá-lo pelo ângulo da "fatalidade" carcerária, independente da idade do vitimado. O soneto inspirador fala dum menino, mas meu gancho imediato é fato ocorrido no Rio com um chinês. Eis o resultado:

PALHAÇO [Martins Fontes]

Dizem que era muitíssimo engraçado.
No Colégio chamavam-lhe: "Palhaço".
E, no entanto, seu todo, delicado,
Tinha um quê de amargura e de cansaço.

Em certo roubo, um imbecil soldado
O prendeu, sem razão, deu-lhe um trompaço.
E houve quem risse do desventurado,
Que, sem saber por que, caiu no laço.

Na prisão suportou vários horrores.
Zombaram todos, vendo aquelas dores,
Indiferentes à tortura alheia.

Ora, estas coisas me informavam, quando
Ouço um garoto de jornal, gritando:
"Enforcou-se um menino na cadeia!"
 

SONETO 910 ACIDENTAL [Glauco Mattoso]

Prenderam um chinês que pretendia
sair ao exterior tendo na mala
uns dólares juntados. Numa sala
trancado, acham-no morto no outro dia.

Torturam-no pensando que teria
mais grana numa conta e a revelá-la
o obrigam. Como o china nada fala,
acabam por matá-lo na agonia.

Depois do cocô feito, nada resta,
exceto sustentar que suicídio
o cara praticou, batendo a testa!

Já tinham feito assim, quando um ofídio
jogado numa cela um réu molesta
e alegam que o colega é quem agride-o!
 

GLAUCO MATTOSO
Poeta, letrista, ficcionista e humorista. Seus poemas, livros e canções podem ser visitados nos sítios oficiais:
http://sites.uol.com.br/glaucomattoso
http://sites.uol.com.br/formattoso