POESIA TEMÁTICA GLS
NO COMEÇO VOCÊ FOI MAIS GENTE

No começo você foi mais quente.
Entrava batendo a porta
correndo - me entregava as flores
murchas que o trem secou.
Rondava o prato de leite,
bichano, terno, barbudo,
olhava o mundo por mim.

No começo você foi mais gente.
Andava a rua comigo,
o braço apoiado - e eu
podia ainda beijar
teu rosto e saber por que.

No começo você foi eterno.
Parecia feito em sal.
Eu levava os lábios sôfregos
e ungia o teu corpo todo.
Você não se desprendia,
vibrava em mim,
vivia em mim
trepava.

No começo foi somente amor.
 


BALADA PARA MADAME SATÃ

Madame Satã,
acabaram de me contar
que você andou por aqui.
Não forneceram detalhes,
mas eu imagino.

Gostaria de saber de ti:
possuias algum cãozinho,
cativo, para alimentar?
Havia o teu, particular,
que afagavas e, modorrento,
botavas para dormir - cheiroso?...

Sim - madame divina!
eu penso.
Precursora, poderosa,
Lampião do asfalto.
A Lapa tremia contigo,
vibrava, amava contigo,
trepava.

Pelo menos ficou urna certeza:
vão demolir toda a Lapa,
mas teu nome vai ficar,
enorme - suspenso no ar.
Bojudo, grave,
prenhe de emoção e de glória.

Eu agora estou no palco,
Samuai,
que foi o teu viver.
Mas não tenho tua força
de expressão,
a ginga.
Ogum não quis me dar
- ele sabe...
o chapéu de Panamá, a voz,
as noites, o bordel.
Tudo isto era muito teu,
muito nosso.
Gostaria de te cochichar
as últimas que ouvi na Lapa.
O malandro aposentou-se,
Vive agora de welfare state,
a noite agora é outra,
poluída, massiva,
Lasciva, ainda, mas morta.
Levaste um pouco da Lapa,
ou tudo - a Lapa
não é mais aquela.
Trocaram muito de vez,
e a bunda dela agora é kitch,
sucesso, fora de ângulo, démodé
Ficou teu brinco, o charme,
a tônica, a perna no ar,
capoeira e pinga.
As paredes da Lapa, Satã,
são eternas,
e nelas você está definitivamente,
preto, feroz, uma pedra.

                                                                                        Paulo Augusto

Do livro "Falo", 1ª ed. 1976, reedição em 2003 pela Ed. Sebo Vermelho, RN
O livro pode ser lido na íntegra no site de Rogel Samuel: http://www.geocities.com/rogelsamuel/paugusto.html