SONETO 102

Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez perdendo o Tejo
Arrostar co sacrílego gigante.

Como tu, junto ao Ganges sussurrante
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da sorte dura
Meu fim demando ao céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Modelo meu tu és... Mas, oh tristeza! ...
Se te imito nos transes da ventura,
Não te imito nos dons da natureza.



SONETO 109

Sobre os contrários o temor e a morte  (¹)
Dardeje embora Aquiles denodado,
Ou no rápido carro ensangüentado
Leve arrastos sem vida o Teucro forte:

Embora o bravo Macedônio corte
Co(m) a fulminante espada o nó fadado,
Que eu de mais nobre estímulo tocado,
Nem lhe amo a glória, nem lhe invejo a sorte:

Invejo-te, Camões, o nome honroso;
Da mente criadora o sacro lume,
Que exprime as fúrias do Lieu Raivoso:  (²)

Os ais de Inês, de Vênus o queixume,
as pragas do gigante proceloso.
O céu do Amor, o inferno do Ciúme.

                                                                                Bocage

(¹) Refere-se este soneto aos "Lusíadas! e foi escrito em louvor de Camões.
(²) A palavra Lieu é sobrenome de Baco.
Do livro: "Sonetos", Martin Claret, 2003, SP