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Duas novelas ou minisséries da TV Globo, a pretexto de apresentar o cenário ideológico vigente na primeira metade do século passado, fizeram referência ao integralismo fundado por Plínio Salgado, mas com manifesta má-fé, como é hábito dos chamados "esquerdistas", até o ponto de apresentá-lo como simples variante do hitlerismo, com gangues atuantes com deliberada e constante violência.
Nada mais errôneo do que ligar a Ação Integralista Brasileira (AIB) a Hitler, pois ela foi criada em outubro de 1932, quando a doutrina daquele líder alemão era praticamente desconhecida no Brasil, onde repercutira apenas o fascismo de Mussolini, com as idéias centrais de "Estado forte", com partido político único organizado com base em corporações econômicas.
Em contraste com o liberalismo, a idéia fascista do "Estado forte", caracterizado pela planificação da economia - ponto este em que coincidia com o marxismo leninista -, teve grande ressonância em nosso país, contando com o apoio de intelectuais do porte de Alceu Amoroso Lima, Fernando de Azevedo, Francisco Campos, Azevedo Amaral, Otávio de Faria, Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia, como Wilson Martins objetivamente salienta em sua clássica obra História da Inteligência Brasileira, vol. I, página 73 e seguintes.
Plínio Salgado acolheu essa idéia, no contexto da doutrina social da Igreja, que era a sua diretriz dominante, procurando adequá-la às conjunturas político-econômicas brasileiras, sendo partidário de um "corporativismo integral", não identificado com o Estado. A seu ver, o fascismo devia ser interpretado como uma "terza via" entre o liberalismo e o comunismo, tendo programa distinto em cada nação.
Foi essa colocação do problema que me atraiu, em 1933, passando a defender, no seio da Ação Integralista, uma posição própria, baseada no corporativismo democrático de um pensador romeno, Michail Manoilesco, em sua obra Le Siècle du Corporativisme, não aceitando a tese fascista da corporação como "órgão do Estado", mas sim como estrutura democrática com organização social autônoma.
Como se vê, o integralismo não se reduzia à doutrina seguida por Plínio Salgado, comportando variantes pessoais, como era o caso, por exemplo, de Olbiano de Mello, mais sindicalista do que corporativista. Quem quiser ter informação mais completa sobre meu pensamento na época deve ler o que escrevi, em 1934, em meu livro O Estado Moderno, com o subtítulo Liberalismo, Comunismo, Integralismo, na linha da tão reclamada "terceira via". Esse livro foi incluído, em 1983, pela Universidade de Brasília, numa coletânea sobre minha posição política na juventude.
Quanto a Gustavo Barroso, ele se distinguia por seu anti-semitismo, não de caráter racial ou religioso, mas apenas do ponto de vista econômico-financeiro, como o demonstra sua obra Brasil, Colônia de Banqueiros, no qual analisa nossa política de onerosos empréstimos externos desde o tempo da monarquia, principalmente com Rockefeller.
Em nenhum livro, porém, era feita a apologia da violência como instrumento de conquista do poder. Alegar-se-á que, em 1937, houve o chamado "putsch integralista" para ataque ao Palácio Guanabara e prisão do presidente Getúlio Vargas, mas, como provo no primeiro tomo de minhas Memórias, publicadas pela Editora Saraiva em 1986, aquele evento resultou de uma aliança de liberais com integralistas no quadro de uma conspiração nacional destinada a derrubar o Estado Novo, sob o comando do general Castro Junior e outros elementos do Exército e da Marinha. Tanto assim que os integralistas, que realizaram a referida tentativa de assalto, eram comandados pelo capitão Severo Fournier, comprovado liberal, herói do trem blindado da Revolução Constitucionalista de 1932.
Como se vê, há toda uma história a ser refeita sobre o real sentido do integralismo, caracterizado por seu nacionalismo espiritualista, organizado numa associação política nacional sobre bases sindicalistas ou corporativas, e não em razão de partidos políticos estaduais, como os então existentes.
Cabe-me salientar que me considerei livre do compromisso integralista quando, no exílio na Itália, me dei conta da ilusória organização corporativista sob o mando de um partido único, tanto assim que me recusei a pertencer ao partido organizado por Plínio Salgado depois da Constituição de 1946, preferindo, com Marrey Junior, criar o Partido Popular Sindicalista, ao depois fundido com o Partido Republicano Progressista de Adhemar de Barros e o Partido Agrário de Rolim Telles, para a formação do Partido Social Progressista, que tinha por lema a "socialização do progresso", mas cujo triste destino foi, infelizmente, transformar-se em grei adhemarista...
No que se refere ao integralismo, reconheci a transitoriedade de seu programa, inspirado nos valores ideológicos em conflito na década de 1930, mas jamais me arrependi de minha atuação em prol do corporativismo democrático, com sinceridade de propósitos e todo o meu entusiasmo juvenil, ao lado da elite de minha geração, com San Tiago Dantas, Seabra Fagundes, padre Helder Câmara, Câmara Cascudo, Alvaro Lins, António Gallotti, Gofredo Telles Junior, Roland Corbisier, Thiers Martins Moreira, Loureiro Júnior, Jorge Lacerda e tantos outros, cuja participação revela que havia valores positivos na Ação Integralista Brasileira.
É fácil, hoje em dia, com a perspectiva histórica que possuímos, reconhecer as ilusões e os equívocos da AIB, mas os acontecimentos culturais não podem deixar de ser examinados à luz de seu tempo, em função de suas circunstâncias e conjunturas determinantes.
Infelizmente, quando se trata de um movimento político da chamada "direita", há tendência no sentido de denegri-la, enquanto que à "esquerda" tudo se perdoa, esquecendo-se os genocídios perpetrados por Stalin e os atos violentos dos brasileiros que, sob a bandeira comunista de Luís Carlos Prestes, tentaram ganhar o poder, como o fizeram em 1934, na Praça da Sé, quando, do alto do antigo Edifício Santa Helena, fuzilaram a milícia integralista que, desarmada, vestia pela primeira vez a camisa verde, com a morte de dois operários. Sobre esses homicídios nem sequer foi instaurado inquérito policial.
Miguel Reale é Jurista e membro da Academia Brasileira de Letras
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