|
HAROLD BLOOM - UM AUTOR A QUE NÃO PODEMOS FICAR INDIFERENTES
por Antonio Júnior
de Coimbra.
O ensaísta e crítico literário
norte-americano Harold Bloom, autor do "Cânone Ocidental"
(1994), é amado e odiado em partes iguais, enchendo as platéias
de auditórios em todo o mundo. Popularíssimo, pratica
uma missão especial: ensinar a ler. "Quem for capaz
de ler verdadeiramente, será abençoado pelo conhecimento,
pela memória", diz Bloom. Ele luta contra a informação
passiva fornecida pela televisão e pela internet, incentivando
a "mente ativa". As posições teóricas
e críticas bloominianas disseminaram-se pela cultura ocidental
e provocam polêmicas e reflexões necessárias.
O não menos combativo jornalista Paulo Francis venerava-o.
"Um ensaísta de primeira água e um grande crítico",
disse dele o Nobel José Saramago, um dos autores de língua
portuguesa elogiado por Bloom. Original, ousado, controverso e influente,
aos 71 anos é autor de uma vasta obra que reúne 24
livros e centenas de ensaios e introduções, privilegiando
poetas de língua inglesa. É o formulador do conceito
crítico "Ansiedade da influência" e da teoria
da "influência literária" dele decorrente.
"A grande escrita é sempre reescrita", afirma.
É contra a obra literária como ideologia, luta de
classes, história ou identidade sexual. Em Portugal, o famoso
Bloom lançou a tradução para o português
do seu livro "Como ler e por quê" (How to read and
why), fez uma conferência, e recebeu o Doutoramento Honoris
Causa na Universidade de Coimbra, a mais antiga do país luso.
"Foi uma extraordinária e eloqüente cerimônia",
confessou. Na sessão de abertura do IV Encontro Internacional
de Poetas, em Coimbra, ele aplicou as suas teorias para vários
poetas numa comunicação intitulada "O Atlântico
sublime: Whitman, Pessoa, Stevens, Crane, Lorca, Cernuda".
Logo depois, no tradicional Café de Santa Cruz, conversou
com os jornalistas.
AJ - Os autores norte-americanos contemporâneos, de Norman
Mailer a Gore Vidal, são obcecados pela idéia do "grande
romance americano". Algum deles chegou lá?
HB - Muitos deixam devorar sua capacidade de ficcionista por essa
obsessão, mas creio que tal obra já foi escrita: "Blood
Meridian", de Corman McCarthy. É um livro terrível,
que mete medo. Deve ser o romance americano mais importante desde
"Moby Dick", de Melville. Já o li muitas vezes.
AJ - Os seus livros revelam um fascínio
pela Bíblia. Além disso, costuma aconselhar-nos a
ler alto e a decorar poesia, como se faz com as orações.
Vê a literatura como religião?
HB - Claro que não. Seria uma idiotice essa
teoria.Basta a indústria das experiências paranormais
ou a indústria de anjos...Mas fascina-me as passagens mais
antigas da Bíblia judia - eu escrevi um livro acerca disso,
"The book of J". Quanto a decorar poesia, devo dizer que
os meus alunos ficam muito embaraçados. Pensam que estão
se comportando como crianças. Mas há uma grande diferença
quando se possui a literatura através da memória.
AJ - Os portugueses estão encantados com
sua opinião positiva à respeito de Fernando Pessoa
e José Saramago...
HB - Fernando Pessoa é um grande poeta moderno.
Tão bom como Lorca, Valéry ou Wallace Steens. O problema
dele foi a tentativa de tornar-se um super-Camões ou um Walt
Whitman. Além do mais, escreveu muito, e ninguém parece
o ter lido na totalidade. Até hoje aparecem novos poemas
dele. Quanto a Saramago, é o romancista vivo mais talentoso
que conheço. Sua versatilidade é espantosa. Ele escreve
comédias deliciosas, coisas tenebrosas e melancólicas.
AJ - Pessoa tem a popularidade merecida fora de
Portugal?
HB - Ele é reconhecido por muitas outras
línguas e culturas. Não é ainda mais popular
devido aos heterônimos. Demora um pouco a acostumarmo-nos
à complicação de se receber quatro poetas ao
mesmo tempo, e à forma como ele desenvolve o problema. Mas
Pessoa é um poeta europeu que seduz muita gente.
AJ - A sua interpretação de que todo
grande poeta sofre da angústia da influência até
hoje é questionada...
HB - Quando publiquei "The Anxiety of Influence"
nunca pensei que seria tão mal compreendido. Mas continuo
pensando que a angústia da influência é um fato
universal. Shakespeare, por exemplo, lutou muito para livrar-se
da influência de Christopher Marlowe. Pessoa, como já
disse, tinha uma clara obsessão por Whitman. E assim por
adiante. Não há como negar que a grande escrita é
sempre reescrita.
AJ - Acha que o leitor de hoje é sensível?
HB - Obviamente que não. Veja o caso da
vasta maioria dos universitários, que são uma mistura
de atrasados mentais e preconceituosos. É que a falta de
reflexão sempre foi mais sedutora. É muito difícil
aprender a ler com propriedade a grande literatura da imaginação.
Os grandes escritores exigem muito em termos de energia intelectual
e imaginativa. Desafiam a totalidade da pessoa em nós. A
verdadeira leitura supõe tempo e implica esforço e
perseverança. A prática da leitura é um caminho
difícil, com ocasionais recompensas.
AJ - Crê que a crítica literária
sobrevive em um mundo de imagens virtuais e leituras banais?
HB - Penso que haverá sempre bons críticos
literários, desde que estes sigam a crítica literária
como um ramo da literatura. O importante é que não
usem a crítica com propósitos de ressentimentos, ou
seja, por motivos puramente pessoais. O bom crítico necessita
de valor humanista e literário.
AJ - Foi convidado para ser homenageado na celebração
do terceiro centenário da Universidade de Yale, preferindo
a cerimônia de Doutoramento Honoris Causa na Universidade
de Coimbra. Foi uma boa escolha?
HB - O rei Bush era um dos homenageados em Yale.Preferi
não estar presente. Não me arrependo. A cerimônia
de Coimbra foi extraordinária e eloqüente. Um incentivo
para continuar aprendendo profundamente sobre a tradição
literária portuguesa. Já escrevi alguma coisa sobre
Camões e Eça. Considero "Os Maias" de uma
beleza sublime. É um dos melhores romances europeus do século
XIX.
AJ - Já que falou em Bush, como vê
a política atual norte-americana ou prefere não fazer
comentários?
HB - George Bush II representa a imbecilidade mais
completa que se vive nos Estados Unidos e que ultrapassa a minha
compreensão. Estamos na época de Mark Twain, chamada
"The Guilded Age", a era dos barões bandidos. Toda
esta Administração, o Presidente, o Vice-presidente,
o Secretário de Defesa, o Secretário do Tesouro, são
grandes senhores do petróleo que estão a ter lucros
fabulosos. |
|