GLAUCOMATOPÉIA [#5]

[1] Propus o termo "quadradécima" para designar a glosa sobre mote dístico porque pressuponho que este seja o molde consagrado. É o que a esmagadora maioria dos exemplos corrobora. Mas cabe ressalvar que, no mesmo molde decimal ABBAACCDDC o mote pode recair nos dois últimos versos (DC), caso em que a glosa deveria, na minha opinião, ser chamada de "nonadécima".

[2] Meu contracultural colega Bráulio Tavares, natural dum centro irradiador do cordelismo (Campina Grande, na Paraíba), já trabalhara em nonadécimas aquele mote que inaugurou esta coluna. Diz ele que, como lhe rareassem as rimas, entrou na pele do sertanejo de poucas letras e corruptelou assim:

Fode o trovão e o "rai"
A tradição e a "famia"
O abecê e a "cartia"
O candieiro e o "gai"
Fode a vaca e o "chocai"
O maçarico e a "soda"
O detergente e a "noda"
A liga e a meia de "nalho":
BUCETA, CU E CARALHO
TRÊS INSTRUMENTOS DE FODA.
[3] Agora que topou dar uma "canja" neste concertinho de rock'n'glosa (ou de mote'n'roll), Bráulio retomou o mote e me acompanhou na quadradécima:
Chiranha, botico e malho,
Priquita, franzido e peia:
Eis como o vulgo nomeia
Buceta, cu e caralho.
Ferramentas dum trabalho
Que não cansa ou incomoda;
E quem entrar nessa roda
Nela só se comunica
Com xibiu, anel e pica:
Três instrumentos de foda.
[4] Assim, para manter em dia o pique e o assunto, voltei a me colocar na posição do ceguinho aviadado que se consola na fantasia masturbatória e raspei o fundo do tacho nas já esbagaçadas rimas do esquema. Não é que saíram mais duas glosas? Lá vão:
Já velho, no meu borralho
Nenhum Cinderelo pisa,
Mas meu verso inda pesquisa
Buceta, cu e caralho!
Num piscar, no espaço espalho
(Pois que o "virtual" é moda):
"Sou ninfeta!" — E a peta roda!
Assim gozo, sem que meta:
Verve, internet e punheta,
Três instrumentos de foda!

Fora os olhos, nos quais falho,
Fascinam na anatomia
Dois furos e o que se enfia:
Buceta, cu e caralho.
Já nos versos que trabalho
Cona pouco me incomoda,
Cu mais culto é doutra roda;
Na prática, mesmo, são
Meu pau, meu pé, minha mão
Três instrumentos de foda...

GLAUCO MATTOSO
poeta, letrista, ficcionista e humorista. Seus poemas, livros e canções podem ser visitados no sítio oficial:
http://sites.uol.com.br/glaucomattoso
 

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