GLAUCOMATOPÉIA [#32]

[1] Diz o ditado que "mal de muitos consolo é". Por isso toda a platéia faz coro cantando "a gente somos inútil" com o Ultraje a Rigor, e por isso os literatos se associam em grupos como os Vencidos da Vida. Afinal, fracasso compartilhado dói menos. Chato mesmo é quando a frustração é individual e contrasta com o alto astral do próximo. Mais chato ainda é quando tal frustração é irremediável, sem chance de aplicar aqueloutro ditado que diz: "Não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe". Nada pior que a sensação de impotência, seja ela sexual ou de qualquer outra ordem. Foi assim que resumi a coisa:

SONETO 161 MALOGRADO

Tentei, fiz o possível, mas não deu.
Não foi por má vontade, podem crer.
Enfim, por que me iria arrepender?
Faltou, talvez, maior empenho meu.

Valeu o sacrifício? Sim, valeu.
É tarde. Seja agora o que há de ser.
Saída alguma já não posso ver.
Os céus escureceram que nem breu.

Cegueira, alegoria do fracasso.
Pior do que a velhice, a solidão,
que o analfabetismo, o pão escasso.

Tirar a alguém, de súbito, a visão
é como interromper o astro no espaço,
capar o pau no instante do tesão.

[2] Mais especificamente sobre a perda da capacidade sexual, os glosadores enfrentam motes do tipo deste, assim resolvido pelo poeta potiguar Luiz Xavier:
NÃO TEM JEITO QUE DÊ JEITO,
EU MESMO NÃO FODO MAIS!

A bicha está com defeito,
Sem ter mais apelação!
Só vive olhando pro chão,
Não tem jeito que dê jeito!
Daí me nasce um despeito,
De não ser mais eficaz;
Passando mesmo pra trás,
Pedindo a Deus pra morrer!
Porque se o bom é foder,
Eu mesmo não fodo mais!

[3] De minha parte, não perdi oportunidade de juntar a fome com a vontade de comer, ou seja, a cegueira com a vontade de sofrer, e selei a fórmula autocomplacente nestes termos:
Vim ao mundo com defeito,
Fadado a ser masoquista,
Pois para o meu mal da vista
Não tem jeito que dê jeito!
Quem vê, falava: "Bem feito!"
E, a rir, calava os meus ais
Com penetrações orais...
Hoje ainda sou passivo,
Mas só mental, já que, ao vivo,
Eu mesmo não fodo mais! [8.59]
GLAUCO MATTOSO
Poeta, letrista, ficcionista e humorista. Seus poemas, livros e canções podem ser visitados nos sítios oficiais:
http://sites.uol.com.br/glaucomattoso
http://sites.uol.com.br/formattoso
 

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