GLAUCOMATOPÉIA [#34]

[1] Talvez porque "pisque" o esfíncter ao defecar, o ânus costuma ser chamado de "olho do cu", cujo conceito oftálmico não poderia escapar à investida dum cego desabusado. Eis o soneto em que vi que o buraco é mais embaixo:

SONETO 143 HIGIÊNICO

Se o orifício anal é um olho cego,
que pisca e vai fazendo vista grossa
a tudo que entra e sai, que entala ou roça,
três vezes cego sou. Que cruz carrego!

Porém não pela mão me prende o prego,
mas pela língua suja, que hoje coça
o cu dos outros, feito um limpa-fossa,
e as pregas, como esponja escrota, esfrego.

O "beijo negro" é o último degrau
desta degradação em que mergulho,
maior humilhação que chupar pau.

Sujeito-me com náusea, com engulho,
ao paladar fecal e ao cheiro mau,
e, junto com a merda, engulo o orgulho.

[2] Também aos glosadores o mote não poderia fugir da pauta. Aproveitando o gancho dado por um colega, o potiguar Renato Caldas versejou:
EU TENHO UM OLHO ESCONDIDO:
É CEGO E TAMBÉM NÃO VÊ!

João Machado, distraído,
Para ilustrar comentários,
Disse entre assuntos vários:
"Eu tenho um olho escondido..."
Fez bem não ter exibido,
Machado! Sabe por quê?
Vou avisar pra você:
Tenha cuidado com ele,
Que o bicho que gosta dele
É cego e também não vê...

[3] Quanto a mim, aproveitei o gancho de que o cego compensa a deficiência aguçando outros sentidos, e glosei assim o mesmo mote:
Talvez um sexto sentido
Que ganhei depois de cego;
Mas, quando afirmam, não nego:
Eu tenho um olho escondido!
Talvez esteja no ouvido
Que, pela voz, um michê
Distingue de alguém que dê...
Quanto ao cujo, do traseiro,
Que conheço quando o cheiro,
É cego e também não vê! [8.66]


GLAUCO MATTOSO
Poeta, letrista, ficcionista e humorista. Seus poemas, livros e canções podem ser visitados nos sítios oficiais:
http://sites.uol.com.br/glaucomattoso
http://sites.uol.com.br/formattoso

 

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