GLAUCOMATOPÉIA [#48]

Hoje escolhi dois sonetos glosando o mesmo tema (o silêncio), aos quais acrescentei minha interpretação mais crua e pragmática. O primeiro é do parnasiano sergipano Hermes Fontes; o segundo, menos rebuscado e mais achado, é do modernista paulista Guilherme de Almeida. Ambos desenvolvendo o difícil conceito em torno de algo impalpável porém absoluto, tentador desafio aos poetas.

MESTRE SILÊNCIO [Hermes Fontes]

É a ti, Silêncio, amigo e mestre! é a ti que devo
a glória! a ti e à tua esposa, a Solidão!
Pois, indiretamente, é teu todo esse enlevo
das flores que ando a abrir, dos frutos que elas dão!

Procuro em ti, contigo, o quatrifólio trevo
da Arte! tudo o que penso, é ouro do teu filão.
Silêncio, vêm de ti o que falo e o que escrevo,
meu professor de calma e de meditação!

Paraninfas o idílio oculto à alma que cisma;
paraninfas a fé, no êxtase religioso
e elaboras a luz no sonho, a luz do Ideal!

E a luz é mais cambiante e irial sob o teu prisma;
e a paz é mais feliz... ó Silêncio! ó repouso
dos nervos! ó crisol da Vida-Espiritual!
 

SILÊNCIO [Guilherme de Almeida]

Silêncio — voz do amor, voz da alma, voz das cousas,
suave senhor dos céus, dos claustros e das grutas;
quebra-te o encanto o vôo, em trêmulas volutas,
do bando singular das lentas mariposas!

Silêncio — alma da dor de pálpebras enxutas;
reino branco da paz, dos círios e das lousas;
quando me calo, és tu, só tu, Silêncio, que ousas
falar-me, e quando falo, és só tu que me escutas!

Irmão gêmeo da morte, ó mística linguagem
com que se fala a Deus! Meu coração selvagem
segreda-te a impressão que à flor da alma resvala:

e tu lhe fazes, mudo, a confidência triste
que te faz a mudez de tudo quanto existe,
porque és, Silêncio, a voz de tudo o que não fala!
 

SONETO 617 TESTEMUNHADO [Glauco Mattoso]

Calei, emudeci, silenciei.
Não disse uma palavra do que vi,
sequer do que ocorreu perto dali,
em área onde o silêncio agora é lei.

Guilherme ou Hermes Fontes imitei:
falei com o Silêncio: "Rendo a Ti
tributos e honrarias!" Se alguém ri,
que zombe, mas do calo eu é que sei!

Aquilo a que assisti foi pavoroso,
terrível, hediondo, horrorizante,
a ponto de cortar-me qualquer gozo!

Jamais esquecerei, e doravante
guardar disso um silêncio obsequioso
é minha obrigação, se não sou Dante.

GLAUCO MATTOSO
Poeta, letrista, ficcionista e humorista. Seus poemas, livros e canções podem ser visitados nos sítios oficiais:
http://sites.uol.com.br/glaucomattoso
http://sites.uol.com.br/formattoso

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