GLAUCOMATOPÉIA [#52]
Hoje falaremos dos tais "bichos escrotos". Fauna é
o que não falta na poesia: pássaros e animais domésticos,
além das feras, foram motivo de muito verso. Menos comum é o
poeta se dedicar a um invertebrado, como Olegário Mariano, que preferia
as cigarras. Outros insetos também mereceram atenção,
como a formiga (cantada por Hermes Fontes) ou a abelha (cantada por Luís
Lamego), mas até os mais nojentos tiveram vez: a taturana já
foi sonetada por Carlos Maranhão e Bastos Tigre; a aranha, por Bilac,
Bandeira, Delfino e por mim próprio. Só mesmo a barata, o mais
repelente de todos, parecia esquecida dos sonetistas, mas o parnasiano paulista
Gustavo Teixeira se encarregara de sanar (ou sanear) a lacuna. Já que
é assim, não pude me omitir e também fiz meu sonetinho,
aludindo ao lado mais asqueroso desse bicho: a incomestibilidade, que, pelo
jeito, está mais que violada. Segue a homenagem do Gustavo e a minha
versão.
A BARATA [Gustavo Teixeira]Nas fendas e desvãos, em lar humilde ou nobre,
Fora da luz, se esconde a tímida barata.
Se sai do esconderijo e humano olhar descobre,
Prestes foge, e o pavor mais a acelera e achata.Raro espalma num vôo as asas cor de cobre.
A farejar com a tromba, em tudo põe a pata.
Ladra voraz, não poupa o negro pão do pobre,
Tisna as cartas de amor, mancha o cristal e a prata.Múmia escamosa, o odor que exala causa nojo.
Cauta, vive a espreitar do fundo do seu fojo
A lesma que rasteja e o pássaro que voa.Mas raia uma hora azul também em sua vida:
De branco, um dia, acorda! E é bela, assim vestida,
Como a noiva que o amor ao pé do altar coroa...
SONETO 744 DA EMOÇÃO BARATA [Glauco Mattoso]Resiste à bomba atômica, a danada,
e vive no ambiente mais imundo.
De costas é nojenta, mas de fundo
é mais nojenta ainda, escarranchada.Baratas comestíveis, não há nada
mais vômico, asqueroso e nauseabundo.
Mais cômico, portanto, e mais jocundo
se torna vê-las, vivas, na dentada.Durante uma gincana, o candidato
ao prêmio engolir tenta a maior delas,
que move-se e esperneia sobre o prato.Segura entre dois dedos, tolas telas
exibem-na aos naquinhos, no barato
jantar que inspira engulho e cuspidelas.
GLAUCO MATTOSO
Poeta, letrista, ficcionista e humorista. Seus poemas, livros e canções
podem ser visitados nos sítios oficiais:
http://sites.uol.com.br/glaucomattoso
http://sites.uol.com.br/formattoso