GLAUCOMATOPÉIA [#53]
Ainda dentro dessa linha de escolha (animais tematizados de maneira morbidamente humana), tomo este soneto do paraibano Augusto dos Anjos, que respondo com um igualmente enfocando o cão pelo prisma da linguagem:
VERSOS A UM CÃO [Augusto dos Anjos]
Que força pôde adstrita e embriões informes,
Tua garganta estúpida arrancar
Do segredo da célula ovular
Para latir nas solidões enormes?!
Esta obnóxia inconsciência, em que tu dormes,
Suficientíssima é, para provar
A incógnita alma, avoenga e elementar
Dos teus antepassados vermiformes.
Cão! -- Alma de inferior rapsodo errante!
Resigna-a, ampara-a, arrima-a, afaga-a, acode-a
A escala dos latidos ancestrais...
E irá assim, pelos séculos, adiante,
Latindo a esquisitíssima prosódia
Da angústia hereditária dos teus pais!
SONETO 625 AREJADO [Glauco Mattoso]
Acabo de no rádio ouvir que, a sós,
cachorros filosofam e, segundo
pesquisas, formam, como sobre o mundo,
idéias desdenhosas sobre nós,
humanos pobretões, que mesmo após
na técnica avançar tão longe e fundo,
capazes de distâncias num segundo,
ainda engatinhamos quanto à voz!
Latidos, sim, são fala inteligível,
sutil, sofisticada, e não fonema
grafado e articulado em baixo nível!
Uivar, grunhir, é música e poema!
Contudo, o ser humano é imprescindível
para os acompanhar... mas sob algema!
GLAUCO MATTOSO
Poeta, letrista, ficcionista e humorista. Seus poemas, livros e canções
podem ser visitados nos sítios oficiais:
http://sites.uol.com.br/glaucomattoso
http://sites.uol.com.br/formattoso