GLAUCOMATOPÉIA [#54]
Continuando na linha animalesca, porém radicalizando-a entre espécies pouco simpáticas, escolho outro soneto de Augusto dos Anjos e contraponho-o ao meu pelo lado malicioso:
O DEUS-VERME [Augusto dos Anjos]
Fator universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
"Verme" — é o seu nome obscuro de batismo.
Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação funérea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.
Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras magras
E dos defuntos novos incha a mão...
Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!
SONETO 768 DA BICHARADA TARADA [Glauco Mattoso]
Cantaram já em soneto a bicharada
todinha, até barata e taturana,
morcego e aranha. Agora, o mais sacana
dos bichos não inspira, em verso, nada.
Um simples percevejo mais agrada
à idéia (já improvável) de que a humana
estética ache o inseto algo bacana,
que aquela criaturinha tão safada.
"Piolho das virilhas" é chamado.
Aos íntimos é "chato", e é no pentelho
que sente-se à vontade, bem ao lado
dos órgãos genitais. Só lhe é parelho
na tara e na coceira outro safado:
o bicho que, no pé, bolina o artelho.