GLAUCOMATOPÉIA [#68]
O APRENDIZADO
SONETO 653
O cego é comandado na primeira
sessão de felação que experimenta.
O mestre, calmo e cômodo, se senta.
Se agacha o cego em frente da cadeira.
De início, identifica: lambe e cheira
o saco. Pêlos prova. A língua, lenta,
a pele do prepúcio acha nojenta
mas lava aquele bico de chaleira.
Já semi-arregaçada, a glande exige
total titilação, tato total,
alheia à humilhação que ao cego inflige.
O lábio ao pau se amolda e, no final,
que boca adentro o mestre até lhe mije
o cego, acostumado, acha normal.
O soneto acima me veio quando, através dum amigo americano, fui apresentado a outro usuário de computador falante que, como eu, está totalmente cego e se sente abusado pelos caras que enxergam. Compartilhávamos ambos os mesmos obstáculos materiais e sociais; a ele pesavam, porém, dois problemas adicionais: obesidade e inaptidão para chupar. Morando nos States, tinha a seu alcance o diversificado cardápio de preferências sexuais oferecido por grupos gays, clubes, associações e agências de classificados eróticos, inclusive sítios especializados em deficientes físicos, como o www.bentvoices.org — mas, assim como eu já constatara ao visitar portais análogos em português, como o http://scegos.planetaclix.pt , também ele percebeu quão palpável continua sendo a situação de estar discriminado como gay entre os cegos e como cego entre os gays. Mais ainda, no caso dele: discriminado como cego gay entre os gordos.
Já no primeiro "emeio" que trocamos, Bob transcreveu os termos em que se dirigiu ao colunista virtual que assinava a seção de aconselhamento dum daqueles sítios: "I am a totally blind, very heavy guy. My problem is that, when I find guys interested in being with me, I run into a roadblock because I don't like to suck cock. I have tried, and I find it really unpleasant. I am good with my hands, and can usually make a guy come easily, especially if I use a bit of oil. But many (probably most) guys want someone who can suck, and I just don't enjoy doing this."
O colunista, como de praxe entre americanos, foi bem direto ao ressalvar que a chupeta não era a única maneira de satisfazer um parceiro: "If the oral thing doesn't work for you, don't worry. Go on to something else that you are expert at. Tit play, foot play, anal probing, masturbation, verbal, fantasy; it all depends on finding out what gets your man going and using that knowledge to your mutual advantage." Mas dava a entender que, se Bob abrisse mão do próprio prazer, ficaria mais fácil achar a quem satisfazer: "Yes, I am happy to say that there are guys out there who are more concerned with getting their partners off than gratifying themselves. There are even men for whom orgasm is irrelevant." E sugeria que Bob tentasse aprender a chupar como o bebê aprende a mamar: "As far as teaching cocksucking goes, I think most guys would say that once exposed to one, the art of sucking comes as naturally as feeding does to a baby." Resumindo: se não gosta de chupar, faça o sacrifício e encare-o masoquisticamente como gratificante pelo simples fato de que o parceiro está gozando.
Bob relutou antes de ceder à realidade de que, inferiorizado pela limitação física, não lhe restava muita escolha. Mas o aprendizado não era tão espontâneo quanto afirmava o colunista, e meu balofo correspondente só conseguiu vencer a repugnância e dominar a "arte" depois que contatou, numa sala de bate-papo, um parceiro disposto a guiá-lo, comandando cada movimento.
Esse mestre era um típico "nerd": adolescente de seus dezessete, muito dentuço, espigado e pescoçudo, pés e mãos tão descomunais quanto os óculos, rockeiro viciado no som dos Ramones, punheteiro desbragado, apreciador de "snuff movies" e jogador de "games" politicamente incorretos, tipo campo de concentração ou cativeiro de seqüestro. O molecão já tinha deixado várias bichas chuparem sua bengala branca e sabia muito bem de que jeito queria ser servido, mas a perspectiva de vê-la na boca dum cego gordo e desajeitado arrancou-lhe a automática exclamação: "Uau! Cobaia nova!"
Foi, do Bronx, ao encontro de Bob, em Manhattan. A "cobaia", inteirada das manias do marmanjo, palpitou: "Já sei: você acha que os deficientes são assim porque Deus quer e que, por isso, ninguém precisa ter sentimento de culpa se, pra dar prazer, o deficiente tiver que sofrer mais um pouquinho, certo?"
O "nerd" foi reciprocamente cínico: "Errou. Não estou nem aí se Deus quer ou deixa de querer. Pra mim não é Deus que conta, é a natureza. Se alguém nasce defeituoso ou sofre um acidente, a natureza não dá colher de chá: ou se vira ou é um micróbio a menos na poeira do universo. Por isso é que não sinto remorso, sacou? Você está aí pra chupar e eu estou aqui pra fazer você chupar. Trate de dar o melhor de si, só isso." Falava sem parar de mascar seu chiclete, com aquela indiferença característica dos "teenagers" metidos a intelectuais.
O gordo fez o melhor que pôde. O pau do moleque aumentou-lhe o volume das bochechas, embargou-lhe a voz, dobrou-lhe a língua e sujou-lhe o paladar com sabores de odores de mictório, que o cego já reconhecera em sua própria cueca na hora de ser lavada. Bob trabalhou sem desanimar, mesmo quando as gargalhadas do cara tiravam-lhe a concentração, pois estava determinado a dar-lhe gozo como ninguém antes dera, como nenhuma dessas bichas de rua, escrachadas e escrotas. Ele, Bob, mostraria a esse varapau pretensioso que um cego gordo é capaz de felar melhor que uma puta rampeira.
"Tem que ir arregaçando devagarinho! Assim! Passa a língua na volta toda! Isso! Que tal o gosto do queijo? Hem? Tem que saborear cada floquinho! Vamos lá, quero ver, na pontinha da língua! Estica e mostra! Isso! Agora vai lambendo até tirar tudo! Sem pressa! Por que essa cara de nojo? Vamos lá, quero ver mais alegria! Agora melhorou! Tem que fazer cara de leitãozinho feliz!" Os grunhidos de Bob, a cada comando do jovem, corroboravam a imagem do porquinho glutão refocilando no caralho babado. O estudante imita o tom de voz do mais fodão dos seus professores. Quando o pau bombeia até o fundo da goela, cortando o fôlego do gordo, a voz engrossa mais um pouco: "Engole mais! Tem que agüentar! Se vomitar vai ter que limpar com a língua! Quer apanhar na cara? Vamos lá, de novo! Engole, porra!"
Esforçou-se, mas da primeira vez levou quinau daquele professor com cara de colegial: o gordo não controlara sua ansiedade, fora com muita sede ao pote, e sua afobação fez a porra jorrar antes da hora. O moleque queria prolongar a sessão, coisa que rolou mais naturalmente nos encontros seguintes. Bob teve de admitir — e sinto-lhe a sinceridade nas mensagens internáuticas -- que havia muito a aprender, e engoliu, juntamente com o orgulho de adulto deficiente mas auto-suficiente, um caralho imaturo mas convencido da superioridade de quem tem visão normal, ainda que corrigida pelos óculos fundo-de-garrafa do nerdão.
Não tenho muitos detalhes sobre o fim que levou esse benemérito fodedor de bocas. Parece que começou a sair com a mais fodona de suas professoras e, vendo que dava certo com as mulheres, esqueceu-se do cego obeso, como das bichas de rua. Outros mestres apareceram, prontos a treinar um perseverante aprendiz.
Continuamos trocando "emeios", eu e Bob, até hoje, e fui obrigado, por minha vez, a confessar que tenho bons motivos para invejá-lo, não pelo sobrepeso, mas pelo fato de estar num país onde os adolescentes são mais desinibidos que a tímida molecada daqui, que, quando tem coragem de contatar, não tem para ensinar nem para aprender.
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