GLAUCOMATOPÉIA [#81]
PÉ DE GUERRA
[1] Minha coluna se chama "Glaucomatopéia" mas podia ter outros nomes igualmente sugestivos, tipo "Pé de quebra", ainda que, a cada assunto, o texto tenha um título específico. Agora, por exemplo, o tema é aquela carne de vaca (sagrada) que os açougueiros da mídia nos vendem como pão de cada dia, ou seja, a guerra que rola pra lá de Bagdá. Em outras palavras, cabe trocadilhar na questão: "Pa que stão" brigando?
[2] A partir da catástrofe novaiorquina de setembro, seguida do aniversário de Lennon (um novaiorquino de coração) em outubro, alguns de meus sonetos ganharam novo halo de atualidade. Um deles, tirado do livro PAULISSÉIA ILHADA (1999), alude à viagem que fiz em 1980 à Big Apple, quando fotografei a fachada do edifício Dakota sem imaginar que seu mais ilustre morador seria assassinado dali a dias:
SONETO CHAPMANÍACO [163]
Curiosa coincidência me acontece:
Um mês antes do fato (Que idiota!),
parei defronte à porta do Dakota,
mas não peguei autógrafo. Anoitece.
E logo Nova York estava em prece.
O Central Park, em luto, o povo lota.
Em choo, cantam junto a mesma nota.
John Lennon lembra sonho, e não se esquece.
Turista entristecido, fui ao prédio
em que o gorila enorme trepa e morre.
A torre gêmea, o Empire State, o tédio.
Só tem arranha-céu aqui! Que porre!
Sem Lennon nem gorila (Que remédio?),
que um poster dos dois, pois, meu quarto forre...
[3] Ironicamente, o poema fala das Twin Towers, que ainda eram os prédios mais altos do mundo. Também irônico ficou o sentido dos dois sonetos seguintes, tirados do livro GELÉIA DE ROCOCÓ (1999) e musicados, respectivamente, por Edvaldo Santana e Luiz Roberto Guedes & Fábio Stefani. As canções estão incluídas no CD "Melopéia: Sonetos Musicados", uma paródia que fiz do antológico LP "Tropicália ou Panis et Circensis", disco-manifesto do tropicalismo. Ambos os poemas tinham um sabor sessentista por soarem como as letras pacifistas do Flower Power, mas de repente a realidade da nova guerra coloca outra vez a questão na ordem do dia.
SONETO BÉLICO [273]
As armas, munições, armazenadas
são muitas vezes mais suficientes
para extinguir da Terra seus viventes,
e continuam sendo fabricadas.
Revólveres, canhões, fuzis, granadas,
torpedos, mísseis mis, bombas potentes,
festim, balas Dum Dum, cartuchos, pentes,
martelos, foices, paus, facões, enxadas.
Romanos, que eram bons de guerra e paz,
disseram: "Si vis pacem, para bellum.":
Parece que os modernos vão atrás.
Não quero exagerar no paralelo,
mas quanto menos ronda a bota faz,
mais folga ostentará o pé de chinelo.
SONETO PACIFISTA [274]
Apelos pela paz são comoventes:
Parece até que toda a raça humana
ou quase toda, unânime, se irmana
na firme oposição aos combatentes.
Campanhas e cruzadas e correntes
envolvem muita mídia e muita grana,
mas nada se compara à força insana
do gênio armamentista em poucas mentes.
Pombinhas, flores, nada disso importa
na hora da parada militar,
se acharmos que o perigo bate à porta.
A fim de protegermos nosso lar,
deixamos que haja tanta gente morta,
mas não aqui: só lá, noutro lugar.
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