GLAUCOMATOPÉIA [#84]
Aconteceu comigo. Cego há mais de dez anos e já considerado um poeta maldito anteriormente à perda da visão, componho agora mais intensamente ainda, propondo a cada leitor que se transforme em meu carrasco e compartilhe meu desabafo de vítima da "justiça" divina e da injustiça humana. Alguns desses leitores, também poetas, participam do espírito sadomasoquista que envolve um deficiente inferiorizado ante a superioridade dos "normais". Um ou outro autor chega mesmo a duelar poeticamente comigo, em diálogos conhecidos como "pelejas", nos quais cada poeta assume seu papel antagônico: eu de masoquista, eles de sádicos. Nenhum deles, porém, foi tão longe quanto este jovem chamado Diego Tardivo, 22 anos, natural do interior do estado do Rio de Janeiro, que, sem ter completado o curso de letras, guarda inédita uma volumosa obra em prosa e verso.
Diego se revela espontaneamente cruel e se assume como autêntico gigolô. Espelhado em Rimbaud, não exerce tal gigolotagem apenas no âmbito literário, mas coloca todos à sua volta a serviço da conveniênia dum vagabundo assumido: pais, parentes, namoradas, amigos e, particularmente, escritores maduros que se disponham a sustentar ou, no mínimo, alimentar as ambições do "gênio incompreendido". Irresistivelmente arrogante, Diego não admite contestação ao seu talento como romancista ou poeta e não acata reparos de ordem estética, estilística ou gramatical. Rechaçou de cara, nestes termos, meus comentários a seus sonetos e poemas diversos, o que me levou a dedicar-lhe, por minha vez, os dois ciclos de sonetos submissos que estão no final desta página: "Cego, a princípio de conversa, todos os sonetos que lhe enviei estão perfeitos, e azar o seu se encontrou neles algo de negligente. Saiba qual é o seu lugar, cego. Releio sempre o que escrevo para não dar margem a defeitos crassos, não porque você assim quer que eu faça. Todos os sonetos que lhe enviei me parecem perfeitos. E não se esqueça de quem manda em quem."
Mesmo tendo passado por situações desfavoráveis desde que deixou a casa dos pais, Diego jamais admitiu que estivesse por baixo e sempre procura desforrar-se dos que não reconhecem seu valor. Assim ele se situa, desdenhosamente, em relação à sociedade e a seus contemporâneos: "Quanto à franqueza inegável de meus versos, isso se explica devido a um passado bizarro que venho registrando em meus romances confessionais. Tive experiências sórdidas demais para uma idade tenra demais. Ainda na época da faculdade, com dezenove anos, me envolvi com uma coroa só pra conseguir uma grana extra para os meus caprichos: livros e discos. Era a coisa mais angustiante e ao mesmo tempo mais divertida que se pode conceber! Minha vida sexual se passou em puteiros de todo o estado do Rio. Cada história que as putas me contavam! Uma delas se tornara puta para se vingar do namorado, pois o mesmo a havia traído. Então, ela decidira se tornar o que as garotas que seu namorado comia eram: putas. Ela me disse que, às vezes, ele ligava para o celular dela quando ela estava com algum cliente. Ela dizia: 'Ligue depois, tô chupando o pau de um negão.' E o babaca lhe dizia para parar de brincadeiras, etc. Despedia-se dizendo eu te amo, e assim por diante. Registrei isso em meu primeiro romance de forma bem mais prolífica. E houve também o que chamo de minha temporada no inferno, espiritual e materialmente falando. Quando larguei a faculdade, fui para Cabo Frio a fim de trabalhar num hotel - um primo de minha mãe me arrumara o trabalho, era amigo do gerente do hotel. - Acabei sendo despedido por negligência profissional, e como nunca tive carteira de trabalho, recebi uma ninharia. Como sempre detestei minha cidade natal, sumi voluntariamente por um tempo, sem sequer cogitar a idéia de voltar. Me enfiei nuns cantos rurais em que dificilmente me encontrariam, trabalhei como lavrador em alguns sítios, e depois entrei numa de dormir nas ruas. Já pedi esmola, cego, já fui repreendido por guardas ao tentar entrar em restaurantes a fim de mendigar comida... ao cabo de uns quatro meses, já não aguentava aquilo e liguei a cobrar para casa. Foi um desespero total e um alívio total. No ano seguinte, em 2005, fui para a casa de um primo no Rio a fim de refrescar a cabeça e comecei a escrever o primeiro livro de minha saga autobiográfica. No momento estou trabalhando no quarto romance, o último da tetralogia. Daí minha fixação por Miller, Genet, Rimbaud, etc. Esses malditos me encorajaram a fazer muitas loucuras! E eu não gosto de quem os lê e permanece o mesmo. Este ano conheci minha namorada, e ela me contou que fora molestada pelo padrasto quando era pequena. Há dias em que eu simplesmente me sinto a fim de molestá-la também, psicologicamente. Sinto tanto prazer em vê-la a verter lágrimas de culpa, numa espécie de auto-expiação involuntária! Sou experimentado no que toca a todo tipo de crueldade, mas fui instruído pelo mundo a odiar e desprezar e não a ser odiado e desprezado, embora muitos idiotas me odeiem e desprezem por não serem capazes de ser o que sou." "Cego, você não faz idéia do que sou capaz devido a todo esse asco pela sociedade constituída acumulado em mim. E em consequência descarrego todo o meu ódio e toda a minha repulsa em quem quer que ouse se meter comigo, não maltratando os ditos cujos fisicamente, mas lhes dizendo na cara o que penso deles. No entanto, quando penso que um coroa degenerado como você é cego e eu, não, quando atino para o fato de que você jamais voltará a contemplar a luz do sol e todas as maravilhas da natureza, nem sequer o rosto de alguém por quem esteja apaixonado, ao passo que tudo à minha volta jaz sempre rutilante de cor e vívida radiância, meu ódio se mistura a uma extrema necessidade de me divertir, de desforrar em sua carcaça de bicho submisso minha superioridade oprimida por essa mesquinha engrenagem sócio-cultural em que vivemos, podre e corrupta de alto a baixo. Quando penso em sua cegueira, não o faço para me consolar, para amenizar meus infortúnios pessoais, mas para rir e sentir prazer. E procuro compartilhar esse prazer com outras pessoas, reunindo-as para um papo e lhes contando tudo sobre você. Todos à minha volta estão rindo de você, cego. Por tudo: por você ser cego, bicha, masoca, patético, enfim, por tudo. Às vezes um conhecido me aborda na rua e pergunta: 'e o ceguinho viado?' Você não passa disso. E não pense que sinto pena de você. Jamais maltrato minhas vítimas se for para ficar arrependido depois. Quando me disponho a humilhar alguém, faço-o friamente, me transformo numa pedra. E minha superioridade não se restringe à minha tenra idade, à minha capacidade de ver, etc. etc., mas se expande através de meu gênio, minha personalidade visionária... enfim, eu sou um ser superior porque desprezo minha época e suas premissas hipócritas, e vivo o que escrevo. Isso faz de mim superior aos comuns dos mortais. Mas, claro, há um agravante em relação a você: além de lhe ser superior em gênio, o sou também em condições de existência. Não tenho renda fixa e independência como você, é claro, mas tenho dois olhos que funcionam perfeitamente e a facilidade para dormir tranquilamente à noite. Isso você nunca mais terá. Você está condenado, é um morto-vivo..."
À medida que nosso diálogo virtual se intensificava, Diego ia se pondo mais à vontade e requintando seu escárnio em relação à minha cegueira. Observe-se que ele me trata como um descartável objeto de prazer lúdico, enquanto eu me confesso verdadeiramente angustiado pela fatalidade irreversível: "Quando me decido a ser implacavelmente cruel em frente à máquina, levo qualquer tema ao extremo. E espero que você, em sua condição de cego chupador, fodido e minado por Deus, não deixe por menos. Fique no aguardo dos poemas, que irei lhe enviando aos poucos..." "Quanto à cegueira, meu querido, sinto muito dizer que você vai ser esse fodido entranhado nas trevas até a morte - nunca mais cores para você, meu querido, nunca mais o céu azul anuviado, nunca mais um belo rosto... - E não se preocupe. Em se tratando de vermes chupadores como você, jamais dou-me o desplante de ser piedoso. Este é o meu diferencial: disponho-me a inserir na vida o que disponho no papel." "Quero encontrar cada frase que possa levá-lo ao tormento ou à punheta coagida pelo tormento, pelo sentimento de inferioridade. Quero acabar com você categoricamente." "Você se tornou a maior das diversões pra mim. Que cego mais hilário você é!" "Me divirto muito à custa de sua existência miserável! Pois eu estou rindo agora, as pessoas na lan house me olham como se eu fosse maluco. Estou rindo de você, de como é inferior, patético." "Às vezes me surpreendo a rir sozinho de você. Já perdi a conta de quantas vezes eu e minha linda namorada quase cagamos de tanto gargalhar de sua condição miserável." "Caralho, cego, eu me divirto mesmo à sua custa! Minha namorada, sempre que chega do serviço, pergunta: 'E aquele cego babaca? O tal de...' Eu lhe lembro seu nome, ela prossegue: 'E aí, já montou nele de novo?' E eu digo que sim e explodimos juntos em gargalhadas quando lhe conto o que você me diz em sonetos e o que me pede." "Cego, minha namorada está aqui ao meu lado e acaba de me dar uma ótima sugestão. Disse-me para lhe enviar dois coletores de plástico, um com meu mijo e outro com minha bosta. Talvez um terceiro com minha porra. Isso é só pra te dar uma idéia de como você é zoado." "Belas garotas passam por mim com sua pele balsâmica e seus cabelos acetinados, longos ou curtos. Talvez eu vá ao Rio mês que vem, e não vejo a hora de ver o mar. Ah, ver o mar e suas ondas arrebentando na praia! Ah, ver! Agradeço a Deus todos os dias por isso, e me digo a mim mesmo: os cegos não sabem o que estão perdendo." "Sua máxima humilhação seria o seguinte: ajudar quem te ofende, ultraja e humilha a ser publicado e famoso, e isso à custa de meus poemas em que te reduzo a lixo humano. O que acha disto?" "Cego, acho bom mesmo que você trate de divulgar meu nome. Estou fodendo sua alma como você merece, e vou continuar a fazer isso, e quero muito em troca. O mínimo que você pode fazer, seu cego de merda, é me tornar conhecido entre os internautas..." "E espero que um dia você se dê conta do gênio injustiçado pelos editores que sou e dê um jeito de me tornar um escritor publicado." "Não me faria de rogado quanto a isso, faria tudo, sem piedade e pudor, embora nunca tenha comido cu de homem." "Como você vê, não sou nenhum Danilo Cymrot ou Leo Pinto [outros jovens poetas que pelejaram com GM]: a brincadeira poética com eles foi bastante divertida, mas eles não teriam a minha coragem de fazer o que bem me convém para conseguir o que quero." "Quer que eu vá até São Paulo? Se quiser, mande dinheiro pra passagem." "Porque eu, cego, se entrasse em seu apartamento, sequer te cumprimentaria formalmente. Você não iria poder ver, mas logo sentiria um sorriso de escárnio brotando em meu rosto em conseqüência do que meus olhos veriam: um viado cego de quase sessenta anos, famoso, premiado e homenageado, submisso a um jovem vagabundo que nada pode fazer por ele senão lhe dizer na cara a merda que é." "Não tenho escrúpulos, nunca tive. Não torturo fisicamente ninguém. Mas posso te rebaixar a algo inferior a um verme." "Depois, você tentaria deixar meu pau duro para chupá-lo a seu bel-prazer, enquanto eu te lembraria do animal que é, chupando e sendo humilhado ao mesmo tempo. Então, quando tudo terminasse, eu daria um tempo, esperaria vir a vontade de mijar, e quando enfim viesse, te chamaria como quem não quer nada e de algum modo mijaria em sua cara. Eu também fico imaginando como seria ter um cego sob meu comando, um cego que não pode adivinhar minhas maquinações e seria a todo instante enganado. Tenho pensado numa coisa: acho que comigo você chegou ao extremo da degradação. Aquelas pelejas com o Leo e o Danilo não passaram de brincadeiras, ao que creio, ao passo que comigo você experimenta a humilhação oferecida por alguém que lhe diz francamente o que pensa e que não se faz de rogado em se tratando de escarnecer de sua condição inferior. Talvez seus poemas mais autodepreciativos tenham sido inspirados por meus abusos verbais. Sem falsa modéstia." "Cara, vou te contar uma coisa: sempre tive uma sensibilidade enorme nos pés, mas prefiro cócegas com os dedos que salivação com a língua, embora eu já esteja mandando minha namorada chupar e lamber meus pés. Ela só não tem coragem de fazer isso quando eles estão cansados, suados, sujos, fatigados... bem, e ela tá grávida agora, isso poderia prejudicar o bebê. Sei lá. Mas o negócio é excitante e relaxante mesmo." "Você pode divulgar a seu bel-prazer meus poemas pela internet, inclusive dizendo o que sabe de mim, ou seja: escritor rebelde, gigolô, vagabundo, curso superior incompleto, ou seja, tudo o que há de pior em termos de exemplo para a juventude brasileira. Até mais, senhor escuridão."
Que Diego é um autêntico descendente dos malditos da poesia francesa, é inegável. Seus recursos formais, além da temática visceral e delirante, denotam nitidamente a geniosidade, quando não a genialidade dessa poesia quase automática e instantânea com a qual me espicaçou e espezinhou. Eis como ele se posiciona em relação à voz poética e ao "eu lírico": "Parecemos, você e eu, à nossa maneira, Rimbaud e Verlaine. você é Verlaine, por ser mais velho e um escritor já consagrado e eu, Rimbaud, por ser bem mais jovem, vagabundo assumido, revoltado, desconhecido, embora ciente de minha superioridade em relação à maioria dos estróinas literatos deste país." E Diego não deixa a menor dúvida sobre a visão que tem do poeta com quem dialoga: "Verlaine escreveu para Rimbaud: 'Sou sua velha boceta aberta...' Você também não passa disso para mim."
Aos demais poetas, aos possíveis mecenas, ou mesmo aos discretos cavalheiros dispostos a conhecer, virtual ou presencialmente, a verve deste cativante gigolô das letras e das regalias materiais, deixo seu contato, seus poemas a seguir selecionados, e dois ciclos de sonetos que lhe dediquei: "Diego e o cego" e "Deus e o cego". Bom divertimento!
Glauco Mattoso, novembro/2007
<diego.tardivo@bol.com.br>
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[1] SETE POEMAS DIVERSOS de Diego Tardivo
"FACEIRA ESCURIDÃO" [DT]
À noite dos primeiros gozos, acareado
Com um cego que muito esperou
Por ter-me sujo e fedegoso em seu esmerado
Recinto, dei-lhe inteira e boa brenha
A qual o cego abocanhou
Com voracidade tão ferrenha!
Nossa ambigênia transparece favas
De tardes aos mangalhos muito especiais
Várias sucções a me apertarem as bravas
Plantas que outrora - no cais da nostalgia -
Pareciam-me menos essenciais
Do que o ardor que me sobe como cistalgia.
Ele se deita; de pé eu fico - um esguicho
Amarelo lhe adentra a boca, na goela
Faz molinetes, eu sou um bicho
Que não atende da mulher o furor;
Antes nele me fio - e na roela
Trato de lhe meter o egrégio dissabor.
Assim - mijado e esporrado - sua maldição
Ascende à abóbada dos acréscimos reais
Imagino em seus olhos ligeira refração;
Então lhe vergasto, sem perfume ou talco,
O pé na boca. Ele não vê. Oh carnavais
De humilhação que há muito saciam o Glauco!
"O BRINDE" [DT]
Às vezes caminhava com um vagar juvenil
Por entre paisagens em Deus encerradas
E colhendo os últimos amores do céu de abril
Seguia junto à tarde em quimeras coruscadas.
Oh! Ele é criança! Seus olhos, posso ver,
Destinados estão ao escárnio do planeta.
E ao constatar que o azar ele fez por merecer,
Saúdo a miríade de aflições que o acometa.
Aqui estou, inerte entre as nítidas belezas
E mais tarde poderei ter o vislumbre de um amor
Sempre acessível. Conto a meus amigos, com crueza,
Que a esse poeta velho foi roubado todo esplendor.
Eles riem quando digo: "ele é um bobo!
Gosta de se humilhar e até implora por isso.
Eu, muito airoso em meu ofício de poeta e lobo,
Não lhe deixo qualquer laivo de morte omisso."
Eles dizem: "Sei quem é. É aquele maluco?"
Até uma tia minha, vinda do Rio, o reconheceu,
Dizendo: "É o cego? Aquele doido?" O eunuco
Das mulheres está nos lábios de todo breu.
Ah! com que prazer o digo: a escuridão
Lhe torneja a alma inteira, de um modo, d'outro ainda,
E se um cego neste instante chafurda em sofreguidão,
Ao destino do idiota, com risos, o mundo brinda!
"DEVANEIOS DE UM POETA ZOMBETEIRO" [DT]
Ao cego pelo qual ninguém fará romaria
Meu pau será açoite e meus olhos, zombaria.
Em tempo a piedade, emoção dos primatas
Do espírito, converteu-se em más e ingratas
Vastidões de franqueza; quero que na pele
Sinta o cego meu escárnio, e sempre me fele
Enquanto através de meus lábios o mundo ouça
A murmurar: - oh! Ele é frágil como louça!
Não creio que a semente amiúde a frondescer
Timidamente entre os homens poderá sofrer
Por esse inútil pierrô. Tal semente, chamada
Misericórdia pelos leigos e pena pela emproada
Ralé urbana, transformou o cego em bosta
Forçado a deglutir de seus superiores a crosta
De orgasmos zombeteiros, ó tais gozos santos
Põem o escravo eterno nos ignóbeis recantos
Onde soergue-se a aclamação dos que subjugar
Podem, e onde fecham-se os gemidos na jugular
Daquele que só faz chupar, sem ver, porém,
A expressão do chupado - assim jaz no aquém
Da honra humana um animal bastante conhecido.
Tão-só a fim de ter um certo capricho apetecido,
Propago em minha cidade que alguém célebre existe
A ruminar na cegueira que, quando muito, subsiste.
"SIMBIOSE IMPIEDOSA" [DT]
Uma fêmea se agacha e, o pau chupando-me,
Escuta-me a contar a história mais hilária -
"Um certo poetastro, reivindicando-me
Como seu algoz, tem uma existência precária.
Sonetos me dedica, me enaltece e adora,
Ao passo que a si mesmo nega qualquer porvir.
Invertido, cego, rei da caixa de Pandora!" -
Ao ouvir isso, ela se engasga e desanda a rir.
"ORAÇÃO" [DT]
Cego, quando amanhece
Nos pórticos distantes,
Levo a Deus uma prece
Com ódio dos pedantes -
Deus, a Ti agradeço
Por ver, sei que mereço.
Tenho irmãos que em risos
Desfazem-se quando
Em tantos pratos lisos
Degustas a meu mando
Humilhações rançosas
E zombarias viçosas.
Deus, a Ti agradeço -
E gratos todos somos -
Por dar-me o que mereço.
Belos e puros fomos.
Se me trazes alegria,
Nega ao cego a alforria!
"APÓS A PEREGRINAÇÃO" [DT]
Ah! Em veredas pedregosas se perderam meus pés,
Enquanto em meu crânio um sorriso se agrilhoava
À hedionda baixeza de um bicho. Nos sopés
De colinas tremendas minha insalubridade se fiava.
Deixai que fique a sujeira nos dias maculados
Com o troar de mil amores engendrados em portentos
Divinos e alvissareiros, ó odor de meus pecados -
Ao longe dá cabriolas o meu bicho em seus alentos!
Portanto, meus irmãos, escorracemos a vilania!
Meu humor é justo - e ao meu bicho darei um grande
Pedaço de carne, calejado na sola, na algaravia
De imundícies fremente de mimos como uma glande.
Entre os dedos se concentra gostosa comichão,
Mas aliviada ela será pela língua do meu bicho -
Fá-lo-ei meu tolo eterno, e agachado até o chão
Terá de me expurgar de ambos os pés o lixo.
"GALHOFAS JUVENIS" [DT]
Por onde passasse o fino repiquete
À turba reunida uma fragrância conferia
De dobres falastrões, ao passo que um filete
De sangue maltratado de um olho cego escorria.
Escorriam chorumelas daquele cego olho
Do qual tanto zombávamos, à noite ungidos
Por estrelas tão luminosas que feriam o sobrolho
De nossa louca alegria e vícios empedernidos.
Quem quisesse saber do cego as agruras
Tão-somente me indagava: "Quantos anos tem?"
Oh! A resposta tinha o aroma de grandes aventuras
Sobre os astros pairando - e sobre nós também.
Pois que tão facilmente não era engolido
O fato de ter o cego já quase sessenta -
E tendo o cu, a boca, enfim, tudo possuído,
Com a honra de uma larva chegará aos oitenta!
E por onde se perca minha vil risada
Consigo arrastará o relho da crueldade;
Sei que terei sempre sob minha mirada
A angústia do cego, jamais sua felicidade!
[2] DEZESSETE SONETOS de Diego Tardivo
"UM GÊNIO" [DT]
Um gênio num amplexo covarde
A outro, inferior, confere o lema
Que diz: "ficaste cego? Pois tarde
Que o ficaste!" - O céu, emblema
De cores que ao Glauco apenas arde,
A seus olhos escarlates só um tema
De zombaria configura, e sem alarde
Vai meu cãozinho numa vida que não rema!
Ah! O poeta com seus desejos repelentes...
Impedimentos aos futuros enamorados
De um presente em que lhe cuspo nos violados
Orifícios... aqui e ali, muito alvinitentes
Ensarilham-se num pico tão faustoso
O cu e a boca desse tal Glauco Mattoso!
"O ETERNO INFORTUNADO" [DT]
Uma festa de víboras no antro amargo
Do breu desse puto que vejo me inebria;
Ah! se ele pudesse ver como sorria
A turba frenética ante seu letargo...
Quis o acaso que eu, no cargo
De reprodutor, sempre só e à revelia,
A abrir de minha fêmea a cona que ardia,
Também do cego sonhasse o ânus sujo e largo.
Filho meu! Filha minha! Contemplai o pai
Que aos vos fazer em mente pudera perecer
De horrores com o que lhe é alheio - o escurecer
Do poeta mais proscrito: oh, ele se vai.
O ermo da podridão lhe abnega a alvorada
Enquanto eu me divirto com minha namorada!
"ODALISCA" [DT]
Por terreais algaravias um profundo
Esgar subiu às visões de meu diabo -
Visões? Que digo? Ele é cego, e este mundo
Só o que quer é lhe enfiar o pau no rabo.
Fodido amante, tenho um malho e até o cabo
Poderei acometer-te - que oriundo
De teus ganidos haja réquiem que acabo
De consumir também, meto mais: até o fundo...
E que no fundo minha pica se enrodilhe
Numa próstata que supura noite e dia
Para meu sêmem. Que diante disto se maravilhe
O botim que, por conseguinte, em galhardia
Infinda, há de pinçar-te a mandíbula - brilhe
Amiúde o que em sonhos eu fodia!
"DÚBIO MASOQUISTA" [DT]
De masoca tu te gabas, mas se algum
Dia me encontrares num mar de
Torturas - não serás um bom covarde?
É possível que não queiras soco nenhum.
Quero ver se, do rego a sair tarde,
Minha bosta não te causará um fartum
De náusea, e tu, escondendo teu bumbum,
Não pedirás que eu me retire sem alarde.
É assim que te imagino, e imaginar
Ser fodido por implacáveis e vis hunos
É muito fácil - quero ver se entregar!
Pois me prova que de fato esses gatunos,
Tão frementes por te ver sofrer e penar,
Não te causam medo qual profê a alunos!
"PRINCÍPIO DOS EXTREMOS" [DT]
Seria não apenas disto eu
O executor, e digo o que farei:
Pegarei num azorrague e lamberei
Com ele tua carne até que o meu
Ódio sobre ti, que instilarei
Sem remorso, te faça um Perseu
Moderno - e quando vir que já se deu
O feito, te farei minha Lorelei.
Com agulhas a fazer no ar ameaças
Te dou a dor mais funda... piruetas
Em teus olhos vão fazer as agulhas crassas.
E ao término te darei, com facetas
Daquilo que toda bicha e os de raças
Similares temem, o odor de mil bocetas!
"SONETO DA INOCÊNCIA" [DT]
E mais: de boa foda a macular
Teu reto, hei de depois me exceder,
Não contentando-me só em te cagar
Na garganta, irei por fim arremeter
Com a vil patologia milenar
Contra as fissuras frágeis de teu ser -
Tua alma será pra mim lauto jantar;
Vou umedecer com porra o que ao nascer
Te foi palmeado: a branca bunda.
Me diz agora o que farias se o doutor
Em vez de te palmear o rabo, o dedo
Enfiasse com precisão firme e profunda
Em teu cuzinho de bebê - claro que dor
Sentirias - mas terias também medo?
"SONETO AOS MORALISTAS" [DT]
Crioulo virou afro-descendente
Judeu matou Jesus e é o injustiçado
Nordestino... por Deus, ai de quem o tente!
Homossexual virou todo viado.
E assim, no pedantismo do agrado,
Ao menos sabe o Glauco o bom demente
Que é; se sofre no escuro e no enfado,
Pois bem, ele merece! E toda a gente
Na imbecilidade desta era
Recusa-se a ver preto onde há preto
E bicha onde há bicha; pois, pudera,
O homem de família diz: "Eu meto
Seis vezes por semana..." Ah, quimera
De quem às ocultas vive a dar no gueto!
"SONETO INDIFERENTE" [DT]
Se queixa amiúde da cegueira
Fodido como é, já não lhe resta
Qualquer comodidade que bem queira
Pois cego neste mundo já não presta.
Arvoro-me em ignomínia que beira
O sangue-frio - minha vileza empresta
Ao nosso amigo cego a altaneira
Degradação silente que lhe atesta
A condição de mártir fornicado.
E então, sem qualquer dó ou pudor,
Esfrego nesse animal um cu cagado.
E eu, que odeio o tal computador,
À frente deste sou sempre empurrado,
Pois nem carta pode ler esse viado!
"SONETO HOMICIDA-SUICIDA" [DT]
De fato, cego, vou te azucrinar
Até que tu te sintas miserável
A ponto de desejares te matar
Aliás, uma pergunta: se afável
O mundo não te é, por que penar
Assim em vão no breu mais condenável?
Desiste logo! Nada custa atirar
Na própria cabeça, e vais prum breu mais amável.
Conselho este te dou, cego idiota:
"Arranje alguma arma, e pelo capeta
Inspirado, uma bala nos miolos meta."
E se, por fim, nem mesmo a outra rota,
Chamada além-túmulo, te quiser,
Meu pau irá em ti até onde der.
"SONETO DESPÓTICO" [DT]
Voltando de uma longa e árdua caminhada
Retiro-me ao quarto, onde jaz o cego
Me esperando. Enquanto beijo minha namorada
Ordeno-lhe: "Me chupe ou o pau lhe prego!"
Ele se humilha, e faz sua deliciosa morada
Em meus pés. E digo: "Sou teu deus, e te nego
Qualquer benesse em vida. Uma facada
Receberás se não lamberes o que te relego."
E enquanto com uma mulher vou me divertindo
Pura degradação o cego está curtindo.
Lá fora o céu é azul, mas ele não o vê!
Ah, cego! Tudo o que é de todos e que Deus provê
Seu jamais será, portanto me obedeça...
E lave-me a piroca, antes que eu me esqueça.
"SONETO DIDÁTICO" [DT]
Comece assim: de baixo até o cimo,
Ou seja, à cabeça, vá lambendo.
Tão logo aí se instale, fixe o mimo
Bucal na cabecinha, e escorrendo
Ela há de besuntá-lo com o vil limo
Das entranhas oriundo. E morrendo
De rir enquanto chupa, eu, o primo
Mais próximo de Deus, irei fodendo
Aos poucos sua parca dignidade.
"Não tens vergonha?", perguntarei, "Em tua idade
Chupando pau de jovem e do mesmo
Escravo sendo amiúde? Tudo a esmo?
Mas não, com esta idéia então me assusto:
"Deus me ama mais que a ti, e Ele é justo."
"FANTASIA CEGA" [DT]
Como uma fada a brandir o condão
Tu bailarás com sapatilhas de menina,
Mas dada tua miserável condição
Equilíbrio não terás como o da bailarina.
Serás como uma puta gorda na esquina
A conclamar os homens a fodê-la, -- cão
P'ros arco-íris radiantes em ascensão ferina
Imprestável, furibundo, e viva a maldição!
E quando do escuro em transe e horror
Tornares a emergir, não poderás sequer
O rosto contemplar de uma bela mulher.
O de um homem tampouco, vês que o amor
P'ra ti é mesmo cego - o que ele quer
É ver-te estrebuchar na eterna dor.
"SONETO DIDÁTICO-SARCÁSTICO" [DT]
Em meu pau arregaçado umedecerás
Com a língua de viado até os colhões.
Hei de te arrumar viris sete anões
E a branca de neve nesse jogo serás.
Caralho quer conforto, não carícias más.
Portanto, vai chupando até os dedões
Dos pés, de onde, tonto, aos excretos ladrões
De honra e dignidade obedientemente irás.
Se te ofereço meu cu, será tão-somente
Para que dele limpes a merda toda, em breu,
Enquanto eu leio um livro ou brado ao que é meu,
Ou seja, a ti, que muito vagamente
Deverás em meu cu o brilho estampar
De um horizonte lindo a refulgir no mar!
"IMPLICÂNCIA DIVINA" [DT]
Se até Saulo de Tarso, apedrejando
Cristãos e inocentes, em ira inata,
E o nome do Messias profanando,
Com a ousadia de quem a polícia desacata,
E igrejas e templos com freqüência queimando,
Com ódio contra Deus, em barata
Hostilidade para com quem, clamando,
De joelhos se punha e lhe rogava à bravata
Que a dor lhes poupasse, enfim, se ao Saulo
Foi dada a cegueira, e tão logo perdoado
De seus crimes voltou a enxergar como Paulo,
Decerto tinha o Senhor reservado
Ao destino do Pedro, inocente e mimoso,
A cegueira imperdoável e outro nome: Mattoso.
"SONETO PUNITIVO" [DT]
Quando pelas madrugadas ouvir-se a lisonjeira
Ovação às minhas visões de tirano sonolento
Lembrar-me-ei do animal a lamentar a poeira
Da infância lhe escorrendo pelo espírito sangrento.
Como partilha infalível contarei a uma freira
Que além de cego, é bicha meu escravo e detento -
Aprecia as picas rijas e levaria numa algibeira
Boa porção de esperma, que beberia a contento.
Uma freira nunca é mãe, apenas se embriaga
De hóstias e vinhos saboreados pelo Salvador -
De cada amor consumado faz uma grande adaga.
Mesma opinião teremos quanto ao nosso sofredor:
Seus crimes contra a natureza lhe levaram a praga
Mais cruel e degradante concebida pelo Senhor.
"BOB E EU" [DT]
À verdade final enfim cheguei,
Pensar que à mesma não havia antes chegado!
Faz tudo o que eu mando o cego guei,
É como um vivo em estado amumiado.
Lhe peço um disco e ele diz: "comprei".
Tão logo chegue meu presente, de bom grado
Rirei do cego e o Bob então escutarei,
É muito bom ter por escravo esse veado.
Blowin' in the wind, começando a rodar,
Dará prazer a este incrível trovador
Que sobre o cego tem a ânsia de mijar.
Será a música um enorme estentor
Que há de nas circunstâncias revelar
O Bob e eu rindo do cego e sua dor.
"SONETO AOS VELHOS AMORES DE UM CEGO" [DT]
Aqueles que outrora, vendo, amaste,
Partiram sem deixar míngua de amor;
Se doces tempos idos adoraste
Te resta hoje a insônia, no estupor
Dos sonhos que acordado engendraste
A fim de abonançar da alma a dor -
Mas basta! Pois a quem tu te entregaste
Inda vê e terá sempre seu esplendor.
Pois de entre tantas lágrimas ecoa
Um coro de fantasmas - que te doa
O que eles conquistaram e tu perdeste!
Perdido apalparás a escuridão
À busca dos que possam dar-te, ou não,
A última carícia a que tendeste.
[3] "DIEGO E O CEGO" [dez sonetos de Glauco Mattoso]
SONETO PARA UM ESCRITOR INÉDITO (I) [GM]
Diego, em frente à tela, se acomoda:
está quase deitado no sofá.
Seus pés quarenta e dois mantêm à roda
a língua e as mãos de quem no chão está:
Um cego, cuja boca leva a foda
que o pênis do Diego quererá
depois... Mas, por enquanto, não se açoda
o jovem literato, e as ordens dá.
Se grávida está agora a namorada,
um cego perdedor, que se degrada,
lhe serve de punheta e massagista.
Comédia é o que a tevê no horário passa,
mas claro que o Diego acha mais graça
naquele que hoje chupa e teve a vista...
SONETO PARA UM ESCRITOR INÉDITO (II) [GM]
Rimbaud ele se julga, e me destrata,
não literariamente, mas na vida
real, na qual lhe peço que me bata
na cara, e o pé lhe peço que me agrida!
Sou seu Verlaine, mas que não revida,
e minha boca suja só lhe acata
as ordens de chupar uma fedida
chulapa, que se gaba da bravata!
Assume, vagabundo, a identidade
de quem consentirei que me degrade
só por ser genial e genioso...
Na boca quer mijar-me, e lhe serei
mictório, pois Diego é como um rei,
um superior, e eu só Glauco Mattoso...
SONETO PARA UM ESCRITOR INÉDITO (III) [GM]
No devido lugar ele me pôs,
em versos onde a língua imaculada
me cospe o linguajar dos gigolôs,
sorrindo, enquanto insultos sujos brada...
Me abaixo, mudo, e massageio cada
artelho de seus pés. Se seus cocôs
mandasse-me comer, e se lhe agrada,
eu obedeceria o que me impôs...
O pênis de Rimbaud Verlaine fela,
e eu levo do Diego, na goela,
o mesmo pênis que a mulher lhe chupa...
Nos versos ou no papo, é luminoso
seu gênio, e cego está Glauco Mattoso,
sorvendo o que ele verte em catadupa...
SONETO PARA UM ESCRITOR INÉDITO (IV) [GM]
Buceta que se abriu, ou foi aberta:
assim, para Rimbaud, será Verlaine.
Não passo disso, em frase franca e esperta
daquele a quem me curvo e chupo o pene.
Por isso é que lhe peço: me condene
a ser o que já sou! Mostre-me a certa
e justa posição de seu infrene
caralho ao penetrar-me, sempre alerta!
Me diga então, Diego, o que comigo
fará caso transforme meu castigo
de ser seu felador em privilégio!
Me cuspa em plena cara o que um cegueta
merece: ser mijado! E, se buceta
tornei-me, seu pau manda que eu inveje-o...
SONETO PARA UM ESCRITOR INÉDITO (V) [GM]
Diego em minha boca mete e afunda
até quase os colhões seu pau divino
de jovem que bem vê! Chama de imunda
a boca que se presta a seu destino...
Em versos, o Rimbaud dá-me uma tunda
daquelas! Seu caralho de menino
folgado e vagabundo não me inunda
de porra, apenas: "Bebe o que te urino!"
Suporto o movimento: seus quadris
avançam e recuam... Por um triz
não chega a sufocar-me um tal engasgo!
A rola do poeta me viola
brincando e, de lambugem, sua sola
meu rosto esbofeteia e o lábio eu rasgo!
SONETO PARA UM ESCRITOR INÉDITO (VI) [GM]
Chupá-lo! Ser buceta do Diego
a minha boca sonha! A namorada
do jovem menestrel conhece o emprego
que deve ter a boca bem treinada!
Da sola de seus pés até seu rego,
a língua obediente lambe cada
centímetro, limpando tudo! Eu chego
a ser papel higiênico e privada!
Bastante é que me ordene e, numa rima
ou mero comentário, ponha em cima
dum cego seu pezão de gigolô...
Sujeito-me a ser dele um divertido
brinquedo, simplesmente por ter tido
a chance de achar nele outro Rimbaud...
SONETO PARA UM ESCRITOR INÉDITO (VII) [GM]
Você seria mesmo tão capaz,
Diego, de dizer na minha cara
que nunca mais verei o céu, que faz
questão de não ter dó, com voz bem clara?
Capaz de introduzir a sua vara
na boca deste cego, pois lhe apraz
que eu use minha língua suja para
limpar na rola o mijo dum rapaz?
Será capaz, Diego, enfim, de até
cagar para que eu coma, pois não é
motivo de remorso se me humilho?
Fará mesmo comigo o que verseja?
Rirá quando ordenar que eu só lhe seja
o "inválido animal" num estribilho?
SONETO PARA UM ESCRITOR INÉDITO (VIII) [GM]
Não sei se a namorada o chupa assim,
mas ele quer que eu chupe no sufoco.
Depois manda que eu seja seu selim:
na boca senta, como um pato choco...
Um ovo de cocô despeja em mim,
e a língua é uma colher raspando um coco.
Diego quer mais gozo em seu festim:
meu cu será seu túnel, dócil, oco...
Pretende me "fistar", mas antes fode
e adora que me doa o mais que pode
causar, me enraba a rir, quer que eu me aflija...
Me pica com agulhas, me fustiga
com tapas e azorrague, até que eu diga
que sinto muita sede... Então, me mija!
SONETO PARA UM ESCRITOR INÉDITO (IX) [GM]
Diego se aproveita da cegueira
que minha força tolhe. O pezão usa
em mim como quem brinca: uma rasteira
bastou para que a bicho me reduza!
Começa a me chutar. Torna confusa
qualquer noção que eu tenha do que queira:
apenas divertir-se, ou sua musa
fazer de mim, ou bola na chuteira?
Seu pé me acerta a cara, a bunda, as costas...
Me bate com o dorso, a sola: "Gostas?",
pergunta, rindo. E chuta, vai chutando...
Na boca sinto, em cheio, o pontapé!
Gargalha a cada chute, e zomba: "Olé!",
mostrando que está sempre no comando...
SONETO PARA UM ESCRITOR INÉDITO (X) [GM]
"Não sabem o que estão perdendo!", diz
Diego, referindo-se aos que não
enxergam, e agradece a Deus, feliz,
por jovem ser e ter boa visão.
A praia, o céu azul, os juvenis
folguedos desfrutando, seu tesão
aumenta ao ver que o cego sempre quis
ver tudo que ele vê, mas quer em vão.
Pior, porém, Diego, é quando o cego
bem sabe o que perdeu! Eu, que carrego
tal cruz, assim me sinto! E como o invejo!
Que resta, então, ao cego? Sob a sola
de alguém como você servir de bola
e achar que ser pisado é privilégio...
[4] "DEUS E O CEGO" [dez sonetos de Glauco Mattoso]
SONETO PARA UM SERVO DO SENHOR [GM]
Aquele que desfaz dum cego, e zomba
de minhas aflições por ter perdido
um dom que têm os outros, não é pomba
da paz, mas enviado e obedecido.
Diz ele: "Se Deus quis, então decido
que vou tirar proveito!" Como bomba
tais versos repercutem-me no ouvido.
"Humilhe-se!" E meu corpo a seus pés tomba.
Terei que engolir tudo o que ele diz
e ouvir que ele se sente mais feliz,
não só por enxergar: por me foder!
Terei que dizer "Sim!" se ele diz "Eia!"
Serei quem, mudo, o chupa e massageia,
pois sei que vem de cima o seu poder.
SONETO PARA UM JOVEM SAUDÁVEL [GM]
O jovem que me fode a boca indaga:
"Não tens vergonha, cego, nessa idade,
chupando o pau de alguém que tua chaga
cutuca e faz doer por crueldade?"
Calado, escuto e chupo. Duma praga
divina sou a vítima, e me invade
a inveja de quem vê. "Ceguinho, paga
boquete aqui!" E farei como lhe agrade.
Se Deus é justo e o ama mais que a mim,
mostrando está que ao mundo apenas vim
para servir a um jovem que me foda!
Vontade superior é que o rapaz
de minha boca abuse: ele me faz
chupar bem fundo, e mete a rola toda!
SONETO PARA A VONTADE DE QUEM VÊ [GM]
Você, rapaz, bem sabe, ou imagina
como é delicioso ter, submisso,
alguém lambendo o cu! Mais que a vagina,
um ânus é sensível, gosta disso...
Suponha então um cego cuja sina
é ver-se castigado! Que serviço
melhor para essa língua? Uma faxina
nas pregas! Essa idéia é meu feitiço!
Você deitado, lendo, perna aberta,
e o cego lambe fundo: a descoberta
da merda, inda grudada, é gosto novo!
Eu, cego, saboreio meu destino
e, solto se estiver seu intestino,
recebo, boca adentro, um bafo... e um ovo!
SONETO PARA O PASSATEMPO DE UM JOVEM [GM]
Será que, ao me teclar novo recado,
seu pau não cresce dentro do calção?
Se alguém mais velho e cego, revoltado,
o endeusa e inveja, não lhe dá tesão?
Então tire proveito: de viado
me chame! Em minha cara o bofetão
e a grossa cusparada que tem dado
são tudo que mereço, rapagão!
Se Deus é justo, não é bom nem mau!
Você, que enxerga e é jovem, mete o pau
e goza em minha boca, sem remorso!
Normal é, pois, que fique de pau duro
enquanto a mim escreve, se, no escuro,
eu só me sacrifico e só me esforço!
SONETO PARA UM JOVEM AUTOCONFIANTE [GM]
Tentei argumentar sobre um retoque
cabível em seus versos, mas o jovem
poeta me ordenou que me coloque
em meu lugar de cego. Os chutes chovem:
"Quem manda aqui sou eu! Se quer que eu troque
meus termos, azar seu! Não me demovem
seus choros, cego! Foda-se! Se toque!"
Não poupa golpes duros que me sovem.
Me toco e me desculpo. Quem sou eu,
cobaia do Senhor, presa do breu,
fodido, para um jovem contestar?
Farei o que quiser! Baixo a cabeça!
O jovem manda e o cego que obedeça!
Debaixo de seus pés é meu lugar!
SONETO PARA OS AMIGOS DO JOVEM [GM]
Com fama de maluco: assim me pinta
o jovem aos amigos. Eu, que sinto
saudades da visão agora extinta,
motivo sou de riso e baixo instinto.
Rastejo, dos infernos já no quinto,
perante esses rapazes, aos quais trinta
aninhos são velhice. O labirinto
dum cego é diversão que se requinta!
Comentam: "Cego otário!" E dão razão
ao jovem que se gaba do tesão
que sente ao ser meu mestre e meu juiz.
Foi Deus quem deu ao jovem a chibata,
dizendo: "É todo seu! Abuse, bata
sem dó, pois ficou cego porque Eu quis!"
SONETO PARA A NAMORADA DO JOVEM [GM]
Ordena que ela chupe. Ela obedece
e, enquanto lambe, escuta o que lhe conta:
"O cego é mesmo hilário! Sua prece
dirige a mim, o Deus que nele monta!"
A moça chupa, muda. A rola cresce
na boca em movimento. Toda a ponta
mergulha na garganta. "Se estivesse
aqui, dois me chupavam, sua tonta!"
Ouvindo, a namorada, que um cegueta
mais velho implora ao jovem que lhe meta
a rola boca adentro, não resiste:
Engasga em gargalhada. Então a porra
esguicha e ela se cala até que escorra
por dentro o mel que falta ao cego triste.
SONETO PARA A GLÓRIA DO JOVEM [GM]
Motivo sou do riso coletivo
que o jovem, ao gabar-se, já provoca
entre a rapaziada. Ele, Tardivo,
me exibe como um bicho em negra toca.
Exposto ante a galera, não me esquivo
dos chutes e pisões. No escuro, em troca
do escárnio, sou palhaço, e meu passivo
buraco bucal bronha neles toca.
De Deus Diego herdou pleno direito
de impor-me tudo e expor-me: eu me sujeito
ao jovem e lhe engulo a porra, o escarro.
Verseja, insuperável, o rapaz,
rimando ou não, fazendo o que lhe apraz
comigo, que sou dele orgasmo e sarro.
SONETO PARA A ORAÇÃO DO JOVEM [GM]
"As trevas, em teus olhos, são perenes!
Me alegra que mereças tais galés!"
Assim me diz o jovem, cujo pênis
penetra-me dos lábios através.
"É justo e a Deus agrada que tu penes!
A mim diverte o cego que tu és,
e minhas gargalhadas são infrenes
se choras e ajoelhas aos meus pés!"
Ter olhos sãos o jovem bem merece.
Por isso, a Deus orando, ele agradece
ao ver-se diferente do que sou.
Favor me faz se deixa-me chupá-lo,
pois, ao sentir o gosto do seu falo,
sou grato ao paladar que me restou.
SONETO PARA O JÚBILO DO JOVEM [GM]
O jovem conseguiu o que queria:
tornar-me seu refém. Aqui se esgota
meu choro, e ele triunfa de alegria,
enquanto em minha boca a rola bota.
Irá manipular minha agonia
conforme lhe aprouver: ou numa nota
em prosa, ou na implacável poesia
que, sádica, a humilhar-me se devota.
Sabendo que por Deus fui castigado
e que, inferiorizado, aceito o fado,
minh'alma ele detona com seu gozo.
Coage-me à punheta, mas quem goza
é ele: a namorada prestimosa
mais útil é que a língua do Mattoso.
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