GLAUCOMATOPÉIA [#85]
MORRE ALPHONSUS DE GUIMARAES FILHO
A medíocre mídia nem se tocou, mas Alexei Bueno me deu o toque: faleceu na quinta, 28 de agosto, aos noventa anos, o poeta mineiro Alphonsus de
Guimaraens Filho, herdeiro, em todos os sentidos, da simbologia paterna. Também exímio sonetista, AG Filho mereceu de Bandeira o soneto abaixo, e deixou preciosidades como o que se segue. Prestemos mais atenção e rendamos o devido tributo aos simbolistas, particularmente ao jovem
simbolista que soube render tributo ao modernista mais velho, Mário de Andrade...
A ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO [Manuel Bandeira]
Scorn not the sonnet, disse o inglês. Ouviste
O conselho do poeta e um dia, quando
Mais o espinho pungiu da ausência triste,
O primeiro soneto abriu cantando.
Musa do verso livre, hoje ela insiste
Na imortal forma, da paterna herdando.
Todos em louvor dessa que ora assiste
Em teu lar, dois destinos misturando.
No molde exíguo, onde infinita a mágoa
Humana vem caber, como o universo
A refletir-se numa gota d'água,
Disseste o mal da ausência. E ais e saudades
E vigílias e castas soledades
Choram lágrimas novas no teu verso.
SONETO DA MORTE [Alphonsus de Guimaraens Filho, 1918-2008]
Entre pilares podres e pilastras
fendidas, te revi subitamente;
eras a mesma sombra em que te alastras,
feita carícias de uma face ausente.
Eras, e me afligias. Tormentosa,
vi-te crescer nos muros desabados.
Cruel, cruel; contudo, mais saudosa,
mais sensível que os céus e os descampados.
Bolor, pátina espessa, calmaria,
vi-te a sofrer no fundo da cidade
como um grande soluço percutindo
sobre os olhos, as mãos e a boca fria.
E de repente um grito de saudade.
Depois a chuva, sem cessar, caindo.
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