"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download, na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 26/5/2013
 (próxima coluna: 9/6/2013)

Antes e depois

1

Os pastos da infância tornaram-se arrozais. Já não há os muitos bois e cavalos, nem os banhados prenhes de cobras d'águas e sapos e mussuns. Já não há mais a cerca de gravatá, os paus-de-chuva com seus galhos tocando, delicadamente, o Rio Piraí. Não há mais a ponte de madeira, sempre caindo aos pedaços, mas que aguentava, sob gemidos, o peso daquele caminhão cheio de madeira. A ponte de concreto atual não geme, por mais pesados que lhe sejam os caminhões de arroz ou areia. Já não há mais os pinheiros plantados no morro do seu Nino, nem as brincadeiras de escorrega dentro de cascas de coqueiros, com os primos vindos da cidade. Já não há mais as idas à escola em dias de chuva chutando poças, ou as vindas para a casa por trilhas alternativas, nem a escola há mais. Também não há mais a igreja de madeira que recebia as visitas mensais do padre Fachinni trazendo no discurso a teologia da libertação. Pouco se entendia o que o padre falava, livres que éramos. Não há mais os ossos de cavalo que curavam verrugas, nem os benzeres da avó: arca caída e quebranto. Não há mais o pé de abacate ao lado da casa, nem o pé de goiaba levemente inclinado, parecendo feito para subir. Já não há mais as velhas laranjeiras sem espinhos, nem os pés de café que serviam de poleiro para as galinhas. Já não há mais as angolistas e os garnisés. Patos e marrecos quase nunca houve, pois as tentativas de criá-los foram derrotadas pelas lontras. Lontras não há mais.


2

Os pastos da infância tornaram-se arrozais. O que há agora são campos planos e verdes que, quando são arados, recebem a alegria dos pássaros. São Garças, Bem-te-vis, Quero-queros, são até mesmo outras aves pouco conhecidas que vieram de longe banquetear-se nas terras recém aradas. O que há agora é um pé de ingá, cuja semente veio de Minas, frutificando-se próximo à entrada da casa. O que há agora são tratores potentes facilitando o trabalho. Os cavalos já não puxam carroças pesadas, nem ajudam a arrancar pesados cepos da terra. Já não se vai para a escola a pé, uma van vem pegar as crianças e levá-las para um lugar longe, numa aventura muito maior. A mãe não se queima mais no velho forno à lenha. O pão é o mesmo no forno elétrico, nem se precisa mais andar 20 kms para se conseguir um telefone. O pai não precisa mais sair de madrugada levar parturientes, cardíacos, acidentados ao hospital. A maioria já tem seus próprios meios de transporte. Há agora a rapidez das estradas bem conservadas, o fascínio pela tecnologia, as facilidades da cidade aliadas às benesses do campo. Há agora os poços artesianos e a coleta de lixo. As melhores jabuticabas já não estão mais naqueles pés altos, nas pontas dos galhos impossíveis. Há agora os pés baixos, em que elas podem ser colhidas por qualquer criança. Há também sorvetes e picolés quase todos os dias e não apenas quando um abnegado picolezeiro arriscava-se em tais distâncias. Distâncias não há mais.


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