Coluna de Rogel Samuel
Rogel Samuel é Doutor em
Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista,
cronista, webjornalista.
Site pessoal:
http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/
Nº 200 - 2ª quinzena de junho de 2011
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)
Próxima: 10/8/2011
O GOVERNO GERAL
– Quem será o governador geral do Brasil? Perguntou José Cosme da Silva.
– Ora, meu caro, Tomé de Sousa... O queridinho do Rei, respondeu o outro, com uma sonora gargalhada.
– Ele, disse José Cosme, é um fidalgo já provado em África e na Índia, a quem se deu regimento da política do Brasil.
– O novo governador geral, continuou Medeiros, vai partiu para a baía de Todos os Santos, para fundar a Cidade do Salvador.
– Mas ele já está no mar, disse José Cosme...
– Não sei, fez o outro, com um gesto. Mas que vai, vai.
Um ano depois os dois amigos se encontraram na mesma feira de Lisboa:
– Como estão passando as coisas no Governo Geral do Brasil? – perguntou José Cosme.
– Muito a contento, disse João Medeiros, com ironia. Tomé de Sousa escolheu o sítio de dentro da baía de Todos os Santos, na encosta norte, depois da entrada da barra, para fundar a cidade.
– Na Baía? – perguntou o Cosme.
– Na Baía, confirmou com a cabeça João Medeiros.
E depois de cumprimentar uma senhora que ia passando, continuou a andar, falando:
– Começou a edificar uma cerca de pau a pique, para proteger contra invasões dos Índios, arruando e levantando casas cobertas de palma, paredes de taipa, dois baluartes do lado do mar e quatro da banda de terra, providos de artilharia.
– Então está constituído o Estado do Brasil? – indagou o Cosme.
– Sim, disse Medeiros, com a fundação de sua capital e o seu primeiro núcleo administrativo.
– Ora viva! – gritou o Cosme
- Até padres jesuítas Tomé de Sousa levou consigo para a educação do novo Estado, disse Medeiros.
– Padres? Para que padres?
E acrescentou: Ultra equinoxialem non peccatur, citou Cosme. Acrescentando: “além da linha tudo é permitido”. Esta é a máxima que levam todos os aventureiros ao deixarem a Europa.
– Agora mudou, ajuizou Medeiros. Agora mudou.
– Os Jesuítas vão lutar ali pelos três princípios que estabeleceram: boa imigração européia, liberdade dos naturais, identidade moral de todos.
– Ah, ah, ah, que eu duvido!
– Não senhor, disse Medeiros. Já agora o Padre Manuel da Nóbrega, um dos padres que para lá foram, escreveu: “esta terra é nossa empresa. Os reinóis vivem em pecado mortal: o costume da terra é terem muitas mulheres”.
– Ah, ah, ah, ria-se Cosme, no meio da rua. Que pândegos!
Medeiros o conteve, acrescentando:
– Ele censurou até os outros padres. Disse que os clérigos daquela terra têm mais ofícios de demônios que de clérigos... e que o odeiam porque ele é contrários a seus maus costumes.
Cosme continuava divertido.
– Disse mais. Disse que os Índios são boçais, preguiçosos, indomáveis, resistentes à servilidade e ao trabalho regular, intemperantes, viciosos, antropófagos.
– Deus meu!
Mas disse que eles eram “papel branco para neles escrever à vontade”. Havia mister educá-los e defendê-los para que se educassem. Disse que os brancos preavam-nos, ferravam as “peças”, vendiam-nos, usando e abusando deles, como se fossem animais. Para os proteger, chegavam os Padres a fechar os olhos à escravidão negra. Obedeciam a breve de Paulo III, que declarava os Índios “entes humanos como os demais homens não podiam ser reduzidos ao cativeiro.
– Também Urbano VIII faz doutrina extensiva ao Brasil, confirmou o Cosme.
– Agora, continuou Medeiros, os Índios têm sua mulher, sua família, sua casa, sua roça e já não são antropófagos e têm hábitos civilizados.
– Dizem que um certo padre chamado José de Anchieta institui uma gramática da língua da terra, que todos aprendem, para a catequese...
– Sim, é verdade, confirmou o amigo, tossindo, José de Anchieta. E é poeta.
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