Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/

Nº 204 - 2ª quinzena de setembro de 2011
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)

AS OBRAS REJEITADAS

Conta Humberto de Campos numa divertida crônica do Mealheiro de Agripa que o jornalista argentino Soiza Reilly a serviço foi visitar o atelier de Rodin na Europa e que o grande escultor muito atenciosamente mostrou os diversos compartimentos do lugar.

Em determinado espaço o visitante viu dezenas de caixões empilhados que exibiam rótulos de estradas de ferro e linhas de vapores de navegação dos quatro cantos do orbe terrestre.

– Sabe o que contêm aquelas caixas? – perguntou Rodin.

– ?... – respondeu Reilly.

– São minhas obras devolvidas pelos motivos mais fúteis, disse o escultor, num protesto universal contra as minhas inovações, contra a minha escultura rebelde...

Soiza Reilly aproximou-se curioso e pergunt6ou ao Mestre se ali havia alguma encomenda argentina.

– Sim, disse Rodin.

E acrescentou:

– “Uma senhora argentina, que me pareceu milionária, encomendou-me aqui o busto do esposo. Era um cavalheiro barbado, de aspecto magnífico.

– “Fiz o busto com uma barba soberba, que dava realce ao rosto, e embarquei-o para Buenos-Aires.

– “Dois meses depois recebo, de retorno, o caixão, seguido de uma carta em que a senhora me comunicava, chorosa, ter ficado viúva, e que o esposo cortara a barba antes de morrer...”

O que Humberto não conta era se o escultor cobrava com antecedência.

Acho que sim.

Essas estórias tristes me lembram as grandes e belas esculturas de bronze do Teatro Amazonas que foram jogadas no lixo, em Manaus, de autoria desconhecida por mim:

Eram duas imensas liras que iriam ornamentar cada um dos lados da fachada principal do Teatro, coisas imensas, e pesadas, feitas na França.

E um Apolo nu, de pé, compensando as deusas que lhe estariam por trás, num gesto feminino e elegante.

Aquelas obras foram jogadas num monturo de lixo da companhia de bondes e por lá ficaram durante décadas até que – dizem - o governador Álvaro Maia, que era um poeta, mandou derreter as liras e o próprio Apolo.

Certamente a maledicência pública não perdoaria se ele expusesse aquele homem nu em praça pública, cercado de duas liras.

“Triste sina, estranha condição”.

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