Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/

Nº 206 - 2ª quinzena de outubro de 2011
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)

DE UM SONETO DE JORGE TUFIC

Dormindo vinhas, mãe, já rente à brisa,
aos telhados de Sena, rente às asas
dos Derwiches que em sonho acorrentavas,
rente ao chão, rente à luz, à névoa rente
sobre a qual repousavas como em sonho.
Na música de um verso ou na toada
das cachoeiras, metáforas de ti
sobrevoam meus olhos consolados
pela visão dos seres que encarnaste.
A morte também veio, barulhenta,
mas galáxias cintilam nos teus passos,
vales de auroras curvas te embalsamam.
Por teres ido, fica mais sombria
a terra onde plantaste o nosso dia.

Dormindo vinhas, como num sonho, de Sena, onde derwiches eram acorrentados nas mealhas do sonho, postos no chão, à luz, ou na música de um verso, de um rio corrente, cascata, água como sempre feminina, metáfora da madre, do seu colo, do seu ventre, ela reaparece, reinventada, renascida, mas com ela também veio a morte, mãe pés de galaxias, nos valos, nas auroras, nos espaços, por onde ela passou em vida de onde saiu o o seu rastro luminoso.

De acordo com Ricoeur e Gadamer, a hermenêutica vê os textos como expressões da vida social fixadas na escrita, através de fatos psíquicos, de encadeamentos históricos. Sua interpretação consiste, então, em decifrar o sentido oculto no aparente, e desdobrar os diversos graus de interpretação ali implicados. Só há interpretação quando houver ambigüidade, e é na interpretação que a pluralidade dos sentidos se torna manifesta.

Na realidade a hermenêutica é compreensão de si (da morte de minha mãe), mediante a compreensão do outro: o máximo de interpretação se dá quando o leitor se compreende a si mesmo, interpretando o texto.

Na tática da interpretação sempre há uma ambigüidade, compreender não significa somente repetição do conhecer. A hermenêutica postula uma superação: Ela se quer uma teoria e uma arte, fazendo da leitura uma nova criação. Dela se exige uma reflexão que leve à ação.

A hermenêutica questiona a evidência, recusa a explicar completamente o fato interpretado. Uma interpretação definitiva é uma contradição em si mesma, diz Gadamer. Mais importante do que interpretar o claro conteúdo de um enunciado, é perguntar pelos interesses que o guiam.

A hermenêutica está interessada nas questões, não nas respostas. Só quando compreende o sentido motivador da pergunta pode começar a procurar uma resposta viável. Temos de compreender o que se esconde por trás da pergunta. Só podemos compreender os enunciados, se reconhecemos neles nossas próprias perguntas, nossos próprios problemas, num equilíbrio entre os nossos impulsos conscientes e nossas motivações inconscientes. A hermenêutica se inscreve nos domínios do conhecer, da mesma forma que a política se revela nos do agir.

O texto, como mediação pela qual nos compreendemos a nós mesmos, exige pois a interpretação que explora uma proposição de mundo que se encontrava não atrás do texto, como uma intenção oculta, mas na frente dele, como aquilo que o texto desvenda de nós mesmos. Compreender é compreender-se diante do texto: A hermenêutica significa assim interpretar ou esclarecer, e por último traduzir. Ela provém da Teologia, como interpretação da Escritura. Desde a Idade Média foi praticada, mas tornou-se mais ativa depois da Reforma: Lutero apregoa a exigência de uma interpretação da Bíblia.

O problema da compreensão se põe com mais força e clareza com a reflexão das ciências históricas. Assim, K.J. Droysen caracterizou a diferença metodológica entre as ciências naturais e as ciências históricas pelos conceitos de “esclarecimento” e “compreensão".

Esclarecer significa a redução causal de cada fenômeno a leis gerais e necessárias. E compreender é apreender o individual de cada peculiaridade e significação.

Por isto, diz Dilthey: “Esclarecemos por meio de processos intelectuais, mas compreendemos pela cooperação de todas as forças sentimentais na apreensão, pelo mergulhar das forças sentimentais no objeto.”

A compreensão pressupõe uma vivência, aparece condicionada ao conteúdo da totalidade apreendida ou pressuposta, o que mais tarde se exprime pelo conceito de “horizonte".

O termo hermenêutica, num sentido mais radical, não quer dizer arte da interpretação, mas tentativa de determinar a própria interpretação, a própria natureza da compreensão. A hermenêutica torna-se interpretação da compreensão, ou “círculo hermenêutico”, pois toda compreensão apresenta uma estrutura circular: “Toda interpretação, para produzir compreensão, deve já ter compreendido o que vai interpretar.”

O mundo, portanto, é o que se encontra no horizonte da compreensão. Nosso mundo é o que se encontra no horizonte de nossa compreensão, mas podemos alargá-lo, mediante a compreensão do outro, realizando então uma fusão de horizontes.

Compreender, depois disto, passa a significar a imediatez da visão da inteligência que apreende um sentido.

E interpretar significa a mediação pelo conhecimento racional, que pressupõe a imediatez da compreensão prévia.

Compreender apreende o sentido, e o sentido se apresenta à compreensão como um conteúdo (este é o círculo hermenêutico).

Há, portanto, uma compreensão lógica, que faz apreensão do conteúdo lógico de um enunciado; e também a compreensão pessoal, que faz uma compreensão mais profunda do homem que se revela no enunciado.

Neste caso último, imprescindível a experiência.

A experiência não só de algo intelectual, mas decorre a ação. O mundo da experiência nunca se fecha, está aberto a possibilidades.

A experiência ultrapassa os limites do nosso mundo atual.

Mas só podemos interpretar um mundo já previamente compreendido. Esta limitação é superada pela fusão de novos horizontes.

A compreensão depende de certa maneira do olhar em que não há separação, divisão, julgamento. Do ouvir de outra qualidade a investigação depende. Temos primeiramente de investigar aquilo que nos impede de investigar corretamente. Então aparece a investigação que pode começar a processar-se. E novos horizontes poderão, talvez, ser percebidos.

Ricoeur chega a falar da inclusão do problema hermenêutico sobre o método fenomenológico, pois o problema da hermenêutica constituiu-se anteriormente à fenomenologia de Husserl.

Este problema se coloca nos limites da exegese, isto é, do método de compreensão de textos a partir de sua intencionalidade, sob duas “vias”: a via “curta” e a via “longa”.

A chamada “via curta” é a da ontologia da compreensão, que lança os problemas do método no plano de uma ontologia do ser finito. Com tal método compreender não aparece como modo de conhecimento, mas como modo de ser. Isto pode ser dito de outra maneira, com a questão: O que é o ser cuja existência consiste precisamente em compreender? Essa é a pergunta da ontologia da compreensão.

A chamada “via longa” tem a ambição de chegar a uma ontologia, mas gradativamente. Seu método é uma epistemologia da compreensão, que se estende sobre as ciências constituídas como reflexão sobre os diversos saberes, sobre a psicanálise, sobre a fenomenologia da religião etc.

Enfim, a interpretação consiste em decifrar o sentido oculto no sentido aparente, em desdobrar os diversos graus de interpretação implicados numa significação literal.

Símbolo e interpretação se tornam, pois, correlatos: só há interpretação onde houver sentido múltiplo, e é na interpretação que a pluralidade dos sentidos se torna manifesta.

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