Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/

Nº 222 - 2 ª quinzena de agosto de 2012
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)

O FILHO DE LETÍCIA

Ela estava grávida de oito meses quando se viu no meio da guerra. As balas atravessavam os ares, zumbiam no espaço, atravessavam o céu. Bombas explodiam por todos os lados. Era julho de 1769. Seu marido estava lá, jovem oficial de 20 anos, lutava. Ela, com 19 anos de idade, destemida, mas gestante, tinha vindo acompanhar a guerra de perto, por não abandonar o esposo, corajosa.

Chefiados por Paoli, meses antes eles tinham vencido, expulsaram os franceses para o mar. Letícia, a linda Letícia, acampara próxima, com um filho de colo, para seguir a guerra de perto. Seu pai, seu avô também lutaram, primeiro na Itália, de onde provinham, depois ali, naquela ilha. Sabiam que o inimigo era muito forte, mas venceram.

Agora ela estava grávida outra vez. Os filhos, naquele pequeno país, a riqueza de uma família. Quando seu primeiro filho nasceu, ela tinha quinze anos.

— Nossos filhos não serão escravos da França, dizia ela.

Mas logo o perigo aumentou, a França, o rei Luiz envia novas tropas, que desembarcaram na praia, bem perto de sua casa. O rei insistia em anexar aquela ilha genovesa no império. Maria Letícia fez levarem seus sete filhos para um abrigo nas altas montanhas e acompanhou Carlo, o marido, mesmo que grávida, na nova luta.

Perderam.

Paoli teve de fugir para Gênova. Carlo, seu ajudante de campo, compareceu ante o conquistador e capitula. Era julho de 1769.

No dia 15 de agosto do mesmo ano, Maria Letícia dá à luz um menino enfezado, raquítico, miúdo e feio.

Ela o chamou de Napolione.

Com o sobrenome do pai Carlo, que era de família de pequena nobreza, passou a chamar-se Napolione di Bonaparte, e depois Napoleão Bonaparte.

Eis como nasceu na Córsega aquele de que nos fala Gonçalves de Magalhães, em “Napoleão em Waterloo”, de que transcrevo alguns versos:

          Waterloo! ... Waterloo! ... Lição sublime
          Este nome revela à Humanidade!
          Um Oceano de pó, de fogo, e fumo
          Aqui varreu o exército invencível,
          Como a explosão outrora do Vesúvio
          Até seus tetos inundou Pompéia.

          O pastor que apascenta seu rebanho;
          O corvo que sangüíneo pasto busca,
          Sobre o leão de granito esvoaçando;
          O eco da floresta, e o peregrino
          Que indagador visita estes lugares:
          Waterloo! ... Waterloo! ... dizendo, passam.

          O sibilo das balas que gemiam.
          O horror, a confusão, gritos, suspiros,
          Eram como uma orquestra a seus ouvidos!
          Nada o turbava! — Abóbadas de balas,
          Pelo inimigo aos centos disparadas,
          A seus pés se curvavam respeitosas,
          Quais submissos leões; e nem ousando
          Tocá-lo, ao seu ginete os pés lambiam.

          Oh! por que não venceu? — Fácil lhe fora!
          Foi destino, ou traição? — Águia sublime
          Que devassava o céu com vôo altivo
          Desde as margens do Sena até ao Nilo!
          Assombrando as Nações coas largas asas,
          Por que se nivelou aqui cos homens?

          Oh! por que não venceu? — O Anjo da glória
          O hino da vitória ouviu três vezes;
          E três vezes bradou: — É cedo ainda!
          A espada lhe gemia na bainha,
          E inquieto relinchava o audaz ginete,
          Que soía escutar o horror da guerra,
          E o fumo respirar de mil bombardas.

          Dia fatal, de opróbrio aos vencedores!
          Vergonha eterna à geração que insulta
          O Leão que magnânimo se entrega.

          Ei-lo sentado em cima do rochedo,
          Ouvindo o eco fúnebre das ondas,
          Que murmuram seu cântico de morte:
          Braços cruzados sobre o largo peito,
          Qual náufrago escapado da tormenta,
          Que as vagas sobre o escolho rejeitaram;
          Ou qual marmórea estátua sobre um túmulo.
          Que grande idéia ocupa, e turbilhona
          Naquela alma tão grande como o mundo?

          Da Liberdade foi o mensageiro.
          Sua espada, cometa dos tiranos,
          Foi o sol, que guiou a Humanidade.

Dizem que Napoleão foi inspirado por sua mãe, Maria Letícia, que por isso alcançou tantas vitórias e a glória em que até hoje brilha o seu nome.

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