Coluna de Rogel Samuel
Rogel Samuel é Doutor em
Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista,
cronista, webjornalista.
Site pessoal:
http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/
Nº 232 - 2ª quinzena de fevereiro de 2013
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)
O HAMLET DE KOZINTSEV
Minha encomenda do DVD levou um ano para chegar. O filme é de 1964, foi lançado na primavera de 64, no fim da era Stalin e da nossa ditadura militar. Mas durante cerca de dez anos Grigori Kozintsev já vinha trabalhando nele.
Nós o assistimos no Brasil, logo que saiu, afinal ganhou o Leão de Ouro do Festival de Veneza. Eu me lembro bem que ainda estava na Faculdade, na FNFi, pois Dr. Cleonice Berardinelli o comentou em sala de aula, salientando a dança quase mecânica de Ofélia.
O filme só foi possível porque reuniu alguns dos gênios daquele tempo, como Pasternak e Shostakovich.
A música de Shostakovich vale o filme, é uma obra belíssima, composta especialmente para a obra, ainda que alguns especialistas encontram ali semelhanças com suas duas sinfonias.
Kozintsev disse que o filme não teria sido possível sem aquela música, que desempenhou um papel crucial neste filme, música que se balança entre solenidade e ansiedade.
Kozintsev criou um Hamlet que diz “não a toda sorte de mentiras” como ele disse para um repórter.
Alguns atores ali não são russos. Kozintsev teve dificuldade em escolher o elenco, enfrentou alguns problemas. Mas a principal dificuldade foi a escolha do próprio príncipe, vivido por Smoktunovsky, que era um ator de teatro. Seu desempenho foi notável, mas discreto e tradicional, como queria o diretor, sem afetação.
A fotografia, em preto e branco, exerce um papel decisivo: O mar e o castelo de Elsinore aparecem no início e no fim do mesmo modo. O mar insinua o transitório do mundo da política, o mar, com suas ondas regulares, em diagonal. O castelo é a sede do poder e é o próprio poder. A sobra do castelo ameaça como o fantasma do pai.
Um crítico russo observou que frequentemente Hamlet fala em monólogo porque está absolutamente sozinho. O diretor preferiu solilóquios e silêncios. Por exemplo, no “ser ou não ser” o ator não abre a boca. Só pensa.
O castelo de Elsinore na realidade parece uma prisão, e em todos os lados aparecem guardas pesadamente armados. Por isso as cenas de liberdade estão do lado de fora, e é fora do castelo que o Príncipe morre, no fim. E há cenas em que o príncipe abre portas sucessivas.
Há uma grande quantidade de velhas com cara de morte, como as que aparecem sempre de preto com bandeiras negras. E a intriga palaciana aparece atrás de portas e cortinas.
Aquele relógio que se vê e se ouve algumas vezes com os bonecos do rei, da rainha, do soldado e da morte, aqueles sons de sino, o vento, as ondas, as sonoridades do tempo.
O filme foi visto no fim das ditaduras militares lá e cá, mas não é datado: não são as ditaduras somente que nos parecem cruéis, a própria vida é incompreensível.
Por isso, o sentido daquelas sombras que acompanham o filme inteiro.
No final, a sombra do corpo morto do príncipe ao ser carregado e passar pela ponte do castelo decide tudo.
Ao passar, observamos um garoto que brinca após o cortejo.
E o mar. O mar recomeçando tudo.A sombra do castelo de Elsinore sobre o mar é revolucionária, como que diz: tudo passa. A sombra do castelo se projeta sobre o mar como a sombra do mal.
O filme é raro. Quem quiser ter uma ideia do que representa, assista a versão original em russo no nosso blog: http://arquivoprecioso.blogspot.com.br/
O DVD de que falo está legendado em inglês, e é difícil de acompanhar. Mas é uma obra-prima que não se pode deixar de curtir. A qualidade desta versão na Internet está melhor do que a do DVD. O DVD, inclusive, cortou alguns segundos do filme, no fim.
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