Coluna de Rogel Samuel
Rogel Samuel é Doutor em
Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista,
cronista, webjornalista.
Site pessoal:
http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/
Nº 239 - 1ª quinzena de junho de 2013
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)
ANATOLE FRANCE
O Bergotte (Anatole France) de Proust morre na página 153 de “A prisioneira”.
Como é diferente esse personagem Bergotte do que sabíamos de Anatole, que em vida foi-se tornando um revolucionário, unindo-se aos comunistas aos 74 anos, doando os 40 mil francos de seu Prêmio Nobel à beneficência russa.
Quando a guerra veio, aos 70 anos, ofereceu-se como voluntário. “O que estamos defendendo é o gênio francês, a cultura francesa”, disse ele para os soldados.
Sua residência na Vila Said nº 5, um palacete, era ponto de reunião de operários, intelectuais, revolucionários e ministros.
Quando morreu, em 12 de outubro de 1924, a França toda ficou de luto, o Presidente e os ministros se uniram ao povo para um gigantesco cortejo fúnebre até o cemitério de Neuilly.
A multidão esperou pacientemente várias horas a passagem do corpo. Desde a morte de Victor Hugo nunca se viu nada igual.
E uma revista americana fez uma pesquisa na época, entre escritores e artistas, para saber quais os maiores escritores do mundo: Em 1º lugar veio Shakespeare, em 2º Goethe e em 3º Anatole France.
Quando esteve no Brasil, Anatole foi recebido na Academia de Letras com um discurso em francês pelo Presidente da Academia, Rui Barbosa (pois Machado tinha morrido no ano anterior), em 17 de maio de 1909.
Rui “ não exalta o artista para melhor defimir o grande cético, o panfletário anticlerical, o militante socialista, com cujas idéias não pode comungar”, escreveu Sergio Pachá.
Rui era o contrário de France.
Rui começou assim:
“Senhor ANATOLE FRANCE:
Minha coragem seria inconcebível, se eu tivesse tido a liberdade de escolha, ao aceitar a missão de vos dirigir a palavra em francês diante deste auditório. A língua dos negócios, de que tive de me servir por força do ofício, durante uma carreira diplomática de alguns meses, num meio muito eminente, decerto, mas não dos mais exigentes em matéria de arte, não é exatamente o instrumento literário de que eu precisaria aqui, para falar-vos dos sentimentos dos meus colegas e dos nossos compatriotas a vosso respeito, num círculo de homens de letras, no qual, aliás, só estou pela excessiva complacência, ou por um capricho da gentileza dos que me cercam. Bem mais fácil, sem dúvida, é enveredar momentaneamente na diplomacia, do que invadir esse domínio dos eleitos, onde exerceis, Senhor ANATOLE FRANCE, a autoridade formidável de um modelo sem mácula”.
O francês de Rui era perfeito, mas (dizem) sua pronúncia era péssima.
A Academia, na época, ficava numa modesta sala na Lapa, e não houve grande público assistindo. Sobraram lugares.
Vaidade das vaidades, a fama literária dura pouco! Da passagem do escritor francês pelo Rio de Janeiro só restou o nome de uma rua... em Realengo, subúrbio distante e pobre.
Hoje ninguém mais lê Anatole.
O próprio Humberto de Campos, no seu “Dário secreto”, diz que ele é um romancista fraco, apesar de grande artista, autor de belas frases (27 de junho). Diz que ele não tinha imaginação, não tinha a faculdade de dramatizar.
Vaidade das vaidades! Quando Humberto de Campos morreu, o Rio de Janeiro parou. Houve comoção nacional. Ele era o grande escritor do Brasil. Seus livros vendiam aos milhares.
Como Anatole, hoje ninguém o lê. Sobrou dele o nome de uma rua, no elegante bairro do Leblon.
Conta Proust que Bergotte (Anatole Frande?) morreu em grande sofrimento. No fim da vida ele sofria de uma insônia terrível, mas evitava dormir porque tinha uns pesadelos piores.
Bergotte era rico, mas vivia do que escrevia. Gastava muito com meninas novas, ainda que quase nada fazia com elas.
Bergotte não saía de casa há anos. Aos poucos que recebia afirmava: “a vida é uma viagem”.
Proust prevê que a glória de Bergotte desaparecerá.
Nos meses que precederam a morte Bergotte teve pesadelos, uma mulher má o perseguia, um cocheiro enraivecido mordia seus dedos e os serrava, mas ele não conseguia sair do carro.
Por conta própria passou a usar narcóticos.
Há 20 anos que nada escrevia.
A morte do personagem Bergotte, que Proust diz que foi numa exposição de pintura.
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