Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Blog pessoal: http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/

Nº 279 - 1ª quinzena de junho de 2015
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)

A PANTERA

21.

Meu tio foi a Paris. Levei-o ao Aeroporto. Auxiliei com dólares e contatos.

A sua ausência criou um vazio muito grande no sítio. O piano, silenciado, me chamava a seu encontro. Todos os dias eu sentava no banco do piano e tentava tocar qualquer coisa com meus rudimentares conhecimentos. Meu pai era bom pianista e me deu aula até quando eu tinha sete anos. Ele era um bom professor, eu era um péssimo aluno de piano. O de que eu gostava era de costurar e bordar, como minha mãe. Meu pai se irritava com isso. “Seja homem”, gritava.

No sítio, passei a desenhar e costurar para Jara. Fiz várias roupas para ela. Eu desenhava e costurava muito bem desde menino. Imitava Balenciaga, cujos desenhos conheci através das revistas de minha mãe. Jara ficou muito feliz e bela com seus novos vestidos.

As paredes de meu tio estavam cheias de desenhos meus, que ele emoldurou. Eu gostava de criar roupas luxuosas, capas, chapéus, joias. Quando eu era menino, minha mãe punha-me a desenhar a seus pés, para que eu ficasse quieto. Depois, quando adolescente, ensinou-me a costurar, para ajudá-la nas diversas encomendas que recebia. Acabei aprendendo e me desenvolvendo na costura. Eu era rápido e tinha estilo. Desenhava as roupas antes de as fazer. E dizia que aquela seria a minha profissão. Fazia de tudo. Moldava, cortava, cosia a máquina e a mão. Costurei também roupas masculinas, camisas, ternos e jaquetas. Tudo impecável. Diziam que eu era melhor do que minha mãe. Jara ficou espantada com a minha habilidade de costureiro.

Comprei uma moto, para a fuga rápida. Tracei a rota de fuga pela floresta, no caso de invasão. Fugiríamos de motocicleta, saindo rapidamente pelo outro lado de morro.

Eu nunca estava tranquilo. Se fosse preso, seria torturado e morto. Nós tínhamos chamado atenção no vilarejo próximo com minhas compras. As pessoas especulavam.

Depois de um tempo, advertido por companheiros da nossa organização, as Panteras Vermelhas, coloquei um caseiro no sítio e desapareci com Jara.

Fugimos, saindo do país pelas rotas clandestinas que eu sempre usava.

Eu não podia ter um endereço fixo, não podia ter uma vida normal, nem uma família.

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