Coluna de Rogel Samuel
Rogel Samuel é Doutor em
Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista,
cronista, webjornalista.
Blog pessoal:
http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/
Nº 284 - 1ª quinzena de setembro de 2015
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)
A PANTERA
26.
Nas “férias” parti para Katmandhu – porque férias eram meses de verão em que não recebíamos nenhum pedido novo. Parti para Katmandhu, para Pullahari, onde pretendia fazer um retiro.
O Khenpo meu amigo que me atendeu, que eu já conhecia, me recomendou um retiro de silêncio de 21 dias. Mas só conseguir fazer 4. A minha agitação e loucura interna afloraram e aumentaram nos primeiros dias e meus fantasmas e demônios secretos e recônditos apareceram, me confrontaram e dominaram.
Em sonhos eu me via na selva, em plena guerra da guerrilha que passei, ouvindo disparos de todos os lados, tentando escapar do cerco das tropas inimigas, me arrastando pela terra úmida, pulando sobre a correnteza de um córrego na escuridão da noite para escapar.
Era a cena real que vivi e que me perseguia a vida toda porque fui o único sobrevivente da batalha daquela noite.
Tínhamos caído numa emboscada levados por um falso guia para a morte.
Foi terrível.
Todos morreram.
Eu escapei porque me perdi e me atrasei no caminho.
Sim, cheguei atrasado para a morte.
Pullahari era um mosteiro quase inacessível na montanha aonde tínhamos de subir a pé.
Já na subida encontrei o primeiro obstáculo, externo, uma manada de búfalos me atacou e eu tive de me refugiar numa árvore onde fui cercado pelos animais que não sei por que me olhavam com ódio e urravam...
Fiquei ali até que apareceu um garotinho muito pequenino que devia de ter uns dozes anos e era o pastor da manada... e com um pedacinho insignificante de vara os conduziu ladeira abaixo.
Eu já tinha estado em Pullahari anteriormente.
Da primeira vez os monges, sabendo que eu vinha do Amazonas, me deram um saquinho com cinzas dos restos mortais de Jamgon Kongtrul Rinpochê para jogar no grande Rio.
Foi o que fiz. Mais tarde.
No meu retiro, na solidão, e no silêncio daquela cela, eu me lembrei daquelas cinzas e de seu significado e no fato de eu ter conhecido a minha amiga Jara no rio Amazonas.
De fato eu fui para aquele lugar da floresta para não ser achado, para não ser preso, preso e torturado pelas forças policiais.
Eu já conhecia aquele lugar na floresta porque ali havia uma cabana que desapareceu, pois era de barro coberta de paxiúba. Ali não havia mosquitos, e ninguém que passasse no rio poderia me ver naquele labirinto selvagem.
Eu não devia de ter ido a Pullahari.
Aquele mosteiro acendeu em mim a angústia de ter perdido a única mulher que amei, e que me amou, e do alto daquela montanha aos pés dos Himalaias eu decidi voltar para o lugar no Rio Negro onde a tinha perdido, onde Jara tinha desaparecido, para procurá-la.
No dia da partida, contei ao Khenpo a minha decisão e ele me recomendou antes procurar o Lama Tenpa em Boudanath que poderia me orientar no que fazer, antes de voltar ao Brasil.
Foi o que fiz.
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