Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Blog pessoal: http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/

Nº 294 - 1ª quinzena de março de 2016
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)

A PANTERA

36.

Nas férias fui para Bournemouth. Lá aluguei um quarto numa casa que ficava longe de tudo, ao lado de um bosque cuja travessia me apavorava por escura, cheia de lama e onde havia, soltos, cães de caça que eu jurava que me iam caçar. Eram cães dos moradores ingleses das adjacências que pela manhã os soltavam. Eu temia um ataque, eu era a caça.

O dono da casa era um jovem com quem estabeleci logo uma forte relação de amizade.

– Não tenha medo, me disse uma amiga, são cães civilizados... vai ver que nem latem...

Eu não acreditava e, enquanto estava lá, um cão atacou uma senhora inglesa. Quase a matou.

Para piorar minha estada, caiu naquele ano as piores chuvas dos últimos 50 anos...

 

Mesmo assim minha permanência na Art University foi excelente.

Nos tempos livres andava pelas praias, explorava os segredos, os portos de luxo, grandes barcos, mansões reais.

Lá escrevi uma série de poemas que intitulei de “Poemas de Bournemouth”.

 

Foi quando recebi a notícia de que tinha uma filha... uma filha minha, de quando eu era bem jovem, quase adolescente.

Foi um choque.

Seu nome era Jatir.

As notícias, ainda confusas e contraditórias, diziam que já era uma jovem crescida e que queria muito conhecer o pai.

 

Mas me alertaram para que eu não aparecesse no Brasil, pois continuava sendo caçado pela polícia política brasileira.

– Não venha, disse-me um companheiro. Vamos tratar de tudo.

– Obrigado, eu lhe disse, ainda surpreso.

– Quer que a mandemos para você?

– Sem a mãe? Indaguei.

– A mãe já a abandonou há muito tempo, Jatir foi criada por uma família de classe média.

 

Eu continuava confuso, sem saber o que fazer.

 

– Como eu vou saber que é minha filha? perguntei.

– Se você a vir, logo saberá, respondeu o outro.

E assim, depois de algum tempo, com problemas e procedimentos, uma desconhecida a trouxe para Paris, e a primeira coisa que vi, que senti foi que era minha filha, sem nenhuma dúvida.

Já tinha uns dezenove anos, morena e bela, com um sorriso no rosto e me abraçou e beijou.

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