Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Blog pessoal: http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/

Nº 306
1ª quinzena de noveembro de 2016
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)

O QUE É POESIA?

Adolfo Casais Monteiro foi um escritor português, natural do Porto, naturalizado brasileiro em 1954. Em 1933 assumiu a direção da revista Presença, após a demissão de Branquinho da Fonseca. Era professor em Portugal, mas foi demitido por motivos políticos, e depois veio para o Brasil, onde foi professor universitário no Rio de Janeiro e São Paulo. Era um poeta excelente de uma inquietação e angústia quase ao desespero.  Aqui entre nós fez dura oposição a Afrânio Coutinho.
Eu o li na faculdade.

Em “Aurora”, diz:

“A poesia não é voz — é uma inflexão.
Dizer, diz tudo a prosa. No verso
nada se acrescenta a nada, somente
um jeito impalpável dá figura
ao sonho de cada um, expectativa
das formas por achar. No verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
E aos homens um sentido que não há
nos gestos nem nas coisas:
vôo sem pássaro dentro.”

(Adolfo Casais Monteiro in “Vôo sem Pássaro Dentro", 1954).

A princípio ele aponta que a poesia é uma inflexão, uma entoação, aquilo que faz com que a frase “vai chover...” seja diferente de “vai chover?”.
Um tipo de entoação ou mudança de tom ao dizer alguma coisa, uma entonação.
A poesia, segundo ele, exibe um tipo de quietude, de mudança de tom da voz, do canto, um desvio do discurso. Uma inflexão da voz, a mudança de tom, de acento. Gesto impalpável que dá figura ao sonho, que nos leva a sonhar, que nada diz – quem diz é a prosa, para isso existe a prosa, pois no verso nada se acrescenta a nada...
Do que diz é do sonho de cada um, das formas de suas expectativas, do mundo que não existe, do espaço por achar. A verdade da arte poética não está entre nós, nos escombros da realidade, mas é aquilo que dá aos homens um destino, um sentido, um rumo que não está nem nos gestos nem nas coisas, mas no vôo, naquele vôo louco e oco, no vazio do vôo louco e oco sem nem pássaro dentro...  

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