Nº 312
1ª quinzena de março de 2017
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)
As cinzas do paraíso
Depois do Carnaval, vêm as cinzas. As cinzas da morte. A morte, que é o retornar ao pó de onde saímos, como escreveu T.S ELIOT no seu poema:
“Fim da infinita
jornada sem termo
Conclusão de tudo
O que não finda
Fala sem palavra
E palavra sem fala
Louvemos a Mãe
Pelo Jardim
Onde todo amor termina.
Cantavam os ossos sob um zimbro, dispersos e alvadios”.
(Quarta-Feira de Cinzas de T.S.Eliot, “Poesia”, trad. de Ivan Junqueira, Nova Fronteira.)
Que significam as cinzas?
“Esta nossa chamada vida não é mais que um círculo que fazemos de pó a pó”, diz Vieira.
A Quarta-feira convida a reconhecer o nosso estado mortal, quando voltamos ao pó das cinzas. Somos o pó das cinzas e para lá retornaremos: “ et dicens quoniam impletum est tempus et adpropinquavit regnum Dei paenitemini et credite evangelio”(Mc 1,15). “in sudore vultus tui vesceris pane donec revertaris in terram de qua sumptus es quia pulvis es et in pulverem reverteris (Genesis, 3:19).
Pois até já fui professor de latim...
Diz o Sermão de Quarta-feira de Cinzas do Padre Antônio Vieira:
"Duas coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais, ambas grandes, ambas tristes, ambas temerosas, ambas certas. Mas uma de tal maneira certa e evidente, que não é necessário entendimento para crer; outra de tal maneira certa e dificultosa, que nenhum entendimento basta para a alcançar. Uma é presente, outra futura, mas a futura vêem-na os olhos, a presente não a alcança o entendimento. E que duas coisas enigmáticas são estas? Pulvis es, tu in pulverem reverteris: Sois pó, e em pó vos haveis de converter. Sois pó, é a presente; em pó vos haveis de converter, é a futura."
Na Quarta-feira, as cinzas falam da morte. Depois de dias de orgia, de alegria, recolhemo-nos para pensar no que sobrou, na nossa morte.
Diz T. S. ELIOT:
“Porque não mais espero conhecer
A vacilante glória da hora positiva
Porque não penso mais
Porque sei que nada saberei
Do único poder fugaz e verdadeiro
Porque não posso beber
Lá, onde as árvores florescem e as fontes rumorejam,
Pois lá nada retorna à sua forma.”
Por isso, afirmou Vieira: “Aristóteles disse que entre todas as coisas terríveis, a mais terrível é a morte. Disse bem mas não entendeu o que disse. Não é terrível a morte pela vida que acaba, senão pela eternidade que começa. Não é terrível a porta por onde se sai; a terrível é a porta por onde se entra. Se olhais para cima, uma escada que chega até o céu; se olhais para baixo, um precipício que vai parar no inferno, e isto incerto.”
Que é a morte, senão cinzas de nossas aspirações e nossas esperanças?
“Abri aquelas sepulturas, diz Agostinho, e vede qual é ali o senhor e qual o servo; qual é ali o pobre e qual o rico? Discerne, si potes: distingui-me ali, se podeis, o valente do fraco, o formoso do feio, o rei coroado de ouro do escravo de Argel carregado de ferros? Distingui-los? Conhecei-los? Não por certo. O grande e o pequeno, o rico e o pobre, o sábio e o ignorante, o senhor e o escravo, o príncipe e o cavador, o alemão e o etíope, todos ali são da mesma cor” Vieira).
“Onde todo amor termina
Extinto o tormento
Do amor insatisfeito
Da aflição maior ainda
Do amor já satisfeito
Fim da infinita
jornada sem termo
Conclusão de tudo
O que não finda.”
(T.S. ELIOT)
Depois do Evoé Baco, do baticum sincopado dos batuques do Carnaval, depois do apelo ao Eros, ao “nude”, ao álcool das nossas belezas, “Esta nossa chamada vida não é mais que um círculo que fazemos de pó a pó: do pó que fomos ao pó que havemos de ser. Uns fazem o círculo maior, outros menor, outros mais pequeno, outros mínimo. Mas, ou o caminho seja largo, ou breve, ou brevíssimo, como é círculo de pó a pó, sempre e em qualquer parte da vida somos pó.” (Vieira).
Infelizmente são dois textos longos, não dá para comentar aqui. É a vida que termina num jardim abandonado, silencioso, de um cemitério longínquo onde repousam as cinzas do seu silêncio.
São dois textos longos.
E a vida curta.
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