Coluna de 16/12
(próxima coluna: 26/12)
Ligeira autobiografia em linhas tortas
Quando nasci, nenhum anjo me disse para "ser gauche" na vida. Nem me apareceu um "chato de um querubim" para comunicar-me, diligentemente, que eu estaria fadada a ser errada vida a fora. É o que dá não ser Drummond ou Chico Buarque de Hollanda. Ser, apenas, uma mulher comum. Fato é que, até o ano de 2004, com 42 anos anos, nunca consegui viver em linha reta - nem mesmo sóbria de ilusões, sonhos, fantasias e pensamentos.
Ninguém me alertou que trilharia estradas tortuosas, em alguns momentos quase marginais. Nem que esses (des)caminhos da vida seriam acidentados, com trechos de aclives íngremes e de declives sinuosos. Sem esquecer os desvios provocados por avalanches existenciais e as inevitáveis freadas emocionais de arrumação. Um perigoso só. Mas, como atesta a sabedoria do povo, a mulher que andou na linha, o trem matou. E eu estou aqui, vivinha da Silva.
Aventurei-me assim pela existência: às cegas, tateando. Mais abusada e temerária que intrépida e corajosa. Por vezes, impulsionada pelo faro; outras pelo instinto, a maior parte do tempo pela emoção. Hoje, quando me perguntam quem sou, nem pisco para responder: mãe (de um lindíssimo casal de filhos: Laura, fará 10 anos em dezembro; Victor fez 7 em junho passado); solteira oficialmente e descasada oficiosamente; jornalista episódica; artesã por hobby e herança genética; escritora por compulsão e mulher - quando sobra tempo. Sempre sobra. Afinal, nem só de pão e obrigação vive uma mulher. Um tanto de carne e circo são fundamentais na vida.
Sim, sou jornalista há 22 anos. Avisei que a perfeição por mim passou lotada e não parou no ponto. Sorry. Porque, perdoem-me os mais românticos, ser jornalista nesse país, nos dias de hoje, é tão somente saber administrar - com as bençãos dessa nossa sociedade hipócrita - um desvio de caráter: o interesse pela vida alheia. No popular, o gosto pela fofoca. Como em toda profissão há, ainda, os que dela fazem uma arte.
Nisso e disso sobrevivi, direta e indiretamente, dos 22 aos 38 anos. Até que no final de 2.000, recém-chegada de Brasília, após 14 anos de auto-exílio, abandonei de vez as redações. Digitei meu ponto final no terminal da Editoria de Política do jornal O Globo, onde trabalhava no fechamento da edição.
Sem alardes, despedidas ou brigas. Apenas coloquei a bolsa no ombro, desejei boa noite a todos e virei as costas a uma etapa da minha vida. Desde então, dedico-me exclusivamente à escrever. E ler. E escrever. Pois que escrever é bem mais que inspiração. É compulsão da alma. É necessidade do espírito. É imposição do Ser. E só os que padecem desse mal compreendem o quão imprescindível é transmutar em palavras o que nos vai por dentro. Fiz desse mal, que é bem, meu prazer, meu ofício, minha profissão de fé. E la vie en rose....
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