Simone Salles

Simone, Si, é jornalista e escritora, trabalhou em jornais e revistas da grande imprensa, como Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Correio Braziliense. Morou em Brasília 14 anos, onde também foi secretária-adjunta de Comunicação Social do Governo Cristóvam Buarque.


Coluna de 26/7

(próxima coluna 6/8)

Hoje é Dia de quê?

Hoje é dia de quê? Creio que Dia de Nada. Ou Dia de Tudo. Sei lá! Agora inventaram Dia em homenagem a qualquer coisa. Quarta-feira passada, 20 de julho, foi Dia do Amigo. Teve o Dia das Mulheres em oito de março. Dia das Mães, no segundo domingo de maio e o dos Pais será comemorado no segundo domingo de agosto. Dia dos Namorados foi em 12 de junho e Dia das Crianças será em 12 de outubro. Treze de maio é Dia dos Negros, data da abolição da escravatura no Brasil, assinatura da Lei Áurea. Em 11 de fevereiro comemora-se (?!), homenageia-se (?!) os Enfermos. Já aos Índios coube a data, instituída pelos caras-pálidas, de 19 de abril. Três de dezembro é o Dia Internacional dos Deficientes Físicos.

Sete de setembro, claro, o Dia da Pátria, data em que Pedro I - dizem, tenho cá minhas dúvidas - teria bradado, espada em riste, sobre um cavalo branco: "Independência ou Morte!" às margens plácidas do Ipiranga. Pela história de vida do digníssimo Imperador, não me parece muito provável tamanha façanha.  Por via das dúvidas, taí 1° de abril, Dia da Mentira e também da Redentora, a tal revolução de 1964 que, como a viúva Porcina da novela, foi sem nunca ter sido. Para fugir do estigma do dia, os fardados tiveram a brilhante idéia de antecipar a data oficial para a véspera. Além de dar um nome mais respeitável à dita cuja: foi registrada não como golpe militar, mas Revolução. Coitado do 31 de março. Sobrou para ele.

Cá entre nós, a verdade é que todos os dias – como bem disse BenJor - são dias de Índios, Amigos, Mães, Pais, Crianças, Negros, Mulheres, Deficientes Físicos, Namorados. Enfim... Mania de inventar dia para tudo. Como se nosso afeto, amor e respeito ficassem reduzidos a um único período de 24 horas. Passada a data, é só guardar afeto, amor e respeito, cuidadosamente envoltos em celofane (para não amarelar) e acompanhados de naftalina (para afugentar traças, cupins, baratas), e retirá-los do baú 364 dias depois. Aí, então, é sacudi-los, colocar no varal para arejar e estarão novinhos em folha, prontos para serem usados de novo e outra vez. E depois, a doida sou eu!

Algumas datas, sem dúvida, são memoráveis pelos fatos históricos que homenageiam. O Dia Internacional da Mulher, por exemplo. Data escolhida em memória das 129 tecelãs americanas, carbonizadas durante um incêndio numa fábrica de tecidos, em Nova Iorque, após protestaram por melhores condições de trabalho. Justo. Justíssimo! Mas seria 13 de maio, realmente, a data adequada para homenagear a raça negra, flagelada e massacrada pela bestialidade e venalidade dos brancos? Há controvérsias. Em 1978, o Movimento Negro Unificado decretou dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, data em que, em 1695, morreu Zumbi - líder máximo do Quilombo de Palmares e símbolo da resistência negra.

Dos Índios, então, o quê dizer? Por milênios habitantes, reis e senhores, dessa terra - antes da invasão dos europeus, que os historiadores oficiais insistem em chamar de “descoberta” –, todo dia era mesmo dia de Índio! Para instituir essa data também não tivemos qualquer criatividade. Em 1940, durante a realização do I Congresso Indigenista Interamericano no México, os índios convidados recusaram-se a participar do evento. Gato escaldo... Dias depois, entretanto, convencidos da importância do Congresso na luta pela garantia de seus direitos, resolveram comparecer. A partir de então, esse dia foi dedicado à comemoração do Dia do Índio, 19 de Abril. A escolha da data não se justifica, mas se explica.

Agora, você sabe como começou essa história de Dia das Mães, e dia dos Pais? Pois é. Iniciativas, óbvio, de filhos devotados, ambos americanos. Anna Jarvis, nascida na Virgínia Ocidental, decidiu homenagear sua mãe, em maio de 1905. A moda pegou e o democrata-ditador (depende do período histórico) Getúlio Vargas oficializou, por aqui, O Dia das Mães em 32. Já Sonora Smart Dodd quis demonstrar sua veneração pelo pai, Willian Smart. Isso em 1909. A primeira comemoração ocorreu em 19 de junho de 1910, em Spokone, Washington. Oficializada por Richard Nixon em 1972.

Só que, dessa vez, teve um filho brasileiro bem mais esperto. Não esperou a oficialização americana. A homenagem foi importada para terras tupiniquins pelo filho -publicitário Sílvio Bhering com a data de 14 de agosto. Não suspeito, segundo que seja, das nobres intenções desse filho que, acaso dos acasos, era também publicitário. Com o tempo, as necessidades do comércio e em nome da igualdade entre mães e pais, decidiu-se pelo segundo domingo de agosto.

A historinha do tal Dia dos Namorados, no Brasil, ao contrário do que possam pensar os mais românticos, não é nada diferente. Preocupadíssimo com as vendas do mês de junho (o pior mês do ano), o dono da loja Clipper encomendou, em 1949, uma campanha ao publicitário João Dória - na época na Agência Standard Propaganda . Com o apoio da Confederação de Comércio de São Paulo, instituiu a data com o slogan: "Não é só de beijos que se prova o amor" . A Standard ganhou o título de agência do ano e os comerciantes estão felizes para sempre. Até agora, ao menos.

Diz para mim: dá para levar a sério qualquer uma dessas datas? Eu não consigo. Por mais que me esforce. Claro que me rendo à sanha consumista. Como negar brinquedo aos filhos no Dia das Crianças? Aos pais, em suas respectivas datas? Namorado, esse, dá até para enganar. Mandamos um “tô dura” a título de desculpas e tacamos um beijo hollywoodiano como compensação. ‘Tá limpo. O que incomoda a mim – e a muitos – é a ausência total e absoluta de sentimentos nessa mixórdia de datas comemorativas em que se transformou o calendário. Aí é um tal de “feliz dia disso!, “feliz dia daquilo!” E vamos driblando, assim, datas e sociedade.

São frases-clichês. Impessoais. Qualquer um as diz. Todos as dizem. Dizemos para quem só conhecemos de vista, para o vizinho com quem esbarramos bissextamente, para o porteiro, para o estranho que nos abre a porta do elevador. Dizemos, por simples educação - essa hipocrisia social aceita e aprovada -, até para quem nunca vimos. E a sinceridade onde fica? Como posso dizer a quem amo a mesmíssima frase dita ao guarda de trânsito, que teve a gentileza de atrasar por segundos o fluxo de carros para que atravessasse a rua em segurança? Ele foi gentil? Muito. Merecia um agradecimento? Sem dúvida. Eu o amo? Óbvio que não!

Os politicamente corretos que me perdoem, mas esse amor latu sensu pela Humanidade não é uma característica minha. Não tenho pela nossa espécie um apreço especial. Sinto se decepciono. Mas,  em nome da franqueza, admito. Até porque não pretendo me graduar em Irmã Dulce nem fazer mestrado em Madre Thereza de Calcutá - embora as admire profundamente.  Tudo o que desejo, nesse momento, é dizer às pessoas a quem amo - sem me valer de clichês ou datas - que eu verdadeiramente as amo.

E, por amá-las tanto, desejo que tenham PAZ. Que vivam em HARMONIA consigo mesmas. Que não permitam a outrem lhes ditar normas e regras para o seu viver. Desejo que vivam em COMUNHÃO com suas emoções. E se, para serem coerentes consigo mesmos, for necessário parecer incoerentes aos olhos míopes do mundo, pois que sejam! Essa PAZ é conquista pessoal e intransferível. Portanto, queridos, rogo a Ele que lhes dêem coragem para buscá-la. Humildade para obtê-la. Atitude para mantê-la. Coerência para vivê-la. 

Em tempo: Para quem não sabe (nem eu sabia, fui pesquisar) hoje, 26 de julho, é o Dia dos Avós. Feliz Dia dos Avós para todos os avôs e avós do planeta!

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