Simone Salles
Simone, Si, é jornalista e escritora, trabalhou em jornais e revistas da grande imprensa, como Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Correio Braziliense. Morou em Brasília 14 anos, onde também foi secretária-adjunta de Comunicação Social do Governo Cristóvam Buarque.
Coluna de 26/8
(próxima coluna: 6/9)
Prosa concreta ou poesia caótica?
Procura-se um Anjo
Procura-se Anjo da Guarda. Alto, com farta plumagem. Sempre alerta e operante. Pronto a resolver questões, evitar possíveis calamidades, acalmar quaisquer tormentas. Que de suas asas exalem aromas de eucalipto e pinho.Tenha músculos, carne rija. Exponha, sem pudor, bícepes, peitorais. Anjo com sexo definido: indubitavelmente masculino. Anjo adulto. Não infante. Sem cachinhos ou harpa.
Anjo da Guarda com jeito, cara e cheiro de Homem. Que tenha a altura e o charme do Clint Eastwood - de hoje. Seja sexy, transpire virilidade, como o Al Pacino - de sempre. Sorriso e olhar brilhantes, modos de bom moço - esconde o jogo. Tenha a beleza imperfeita, moleque, safada, madura, do Gibson - após os quarenta. Um Anjo super-herói, superstar, semidivino, quase humano. Com senso de oportunidade.
Dispense dicas e treinamento. Vendo-me desejosa, carente, saiba exatamente o momento de transmutar-se em súcubo. Anjo-demônio a cobrir-me em dias, noites, madrugadas frias, úmidas, sem lua, solitárias. Nada de querer manual, aulinhas, instruções. É condição imprescindível: toque e me toque de ouvido. Sem partituras, instrumentos de afinação, diapasão. Reja a orquestra com maestria. Orquestra de um só músico – solista. Batuta em punho comande o ritmo. Ora alegro, ora staccato. Sem holofote, longe da ribalta, fora do palco. Nada casaca ou gravata - sem recato.
Meu ex-Anjo da Guarda, creio eu, revoltou-se. Dei-lhe trabalho demais. Sem aviso, abandonou-me. Sequer rascunhou um mero bilhete de despedida. Deixou-me assim. Sem mais. Fato é que estou sozinha, desencontrada me acho. Desde sua súbita partida, sou só tropeços, quedas, topadas. Alma coberta de hematomas, escoriações generalizadas. Sem ungüentos existenciais. Sem emplastros emocionais.
Desprotegida, desamparada quem haverá de alertar-me para as armadilhas, ardis, ciladas, abismos, descaminhos - sorte ou azar – e as tais pedras no caminho, espalhadas por um tal Drummond ao longo do meu destino? E não me chamo José, não sou de Itabira, nem musa de poesia! Por quê, Carlos, não tiveste o cuidado, de homem nobre esperado, de asfaltar esses atalhos?
Precisa-se urgente: Anjo da Guarda perfeito. Como nada é perfeito, na pior das hipóteses, de um Homem imperfeito. Defeitos de fábrica aceitos, relevados. Talvez, quem sabe, haja conserto? Desde que me guarde, me queira, me proteja, me seduza e me coma - com requintes da nobreza. Toalha de linho, talheres de prata, porcelana da china, taças de cristal, champagne, luz de velas, violinos.
Anjos...
Homens...
Tanto faz.
Tanto fez.
Dá tudo no mesmo.
São sempre iguais.
De qualquer jeito.
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