2ª quinzena de fevereiro
Não tenho escrito. Nem circunscrito. Nem
circuncidado. Circunstanciado, muito menos. Circulado? Bem pouco. As letras,
por estas bandas, andam meio gagas, dopadas, babadas, travadas. Encaixotadas!
Engavetadas, às trancas e muitas chaves: cadeados pesados seguram-nas
às paredes da escrivaninha. E elas gritam:
— Socorro! Queremos sair!
Pois saiam, que muito preciso de vocês
aqui: em minhas linhas, em meus versos perdidos, em minhas histórias
de invencionices invertidas, com finais repetitivos, que me anda falhando
o cérebro e a criatividade! O dia a dia anda corriqueiro, dona-de-casa
de cabelo cheirando a gordura de bife bem passado e sem gordura por conta
do colesterol ou do regime, roupa lambuzada, barriga molhada na beira do
tanque. Estou um lixo! É um desplante que quem se imagina escritora,
sem ao menos diploma de doutora, se entregue às baratas domésticas
no limbo do esquecimento. E o cérebro começa a ficar embotado,
abotoado, abobalhado, desabecedariado, sem frase ou parágrafo onde
não me engasgue o pranto dessa sina feminina: ser mulher é
padecer o estômago no fogão, matar a fome comendo a unha sem
esmalte, prender o cabelo sem creme e sem brilho, ir à venda esquecida
do sutiã — balançando, pra lá e pra cá, a flacidez
que ganhei de presente da força da gravidade, ou da gravidez de
décadas atrás — , ir às compras e só se lembrar,
na porta do mercado, que a lista ficou esquecida sobre a mesa mal tirada.
Aí me lembro dos grãos de arroz, do caldo do feijão
e... argh! Mais uma toalha pra lavar.
E essa vida é uma roda girando, uma rotina
estúpida: a depressão querendo me abraçar, o espelho
embaça quando escovo os dentes, as mãos cheirosas do sabão
azul, hoje nem quero cantar que o "love is blue", pois o marido já
me mandou tomar chá pra ver se consigo me acalmar:
— Chá de capim de estrada, mulher! Que
do jeito que você anda! Hum!
Até engulo o tal chá de mato cheiroso,
na esperança que meu homem, sempre guloso, venha de madrugada me
acordar. Ai, que esse chá me deu um sono gostoso! Durmo. E nada
dele vir me acordar. Dou-me conta: até esqueci de tomar banho. Lingerie?
O que é isso? Ultimamente só uma camiseta branca, rota, furadinha,
gostosinha. Sem calcinha, que é pra ver se ele se excita, se incita,
me exercita.
Mas que saudades da Amélia, que nada!
Essa talzinha não tava com a essa bola toda. Hoje eu topo é
qualquer parada, pois quero mais é me esbaldar. Estou mais pra Pagú
ou Elvira Pagã: doidinha pra pecar!
Vem, meu homem, que hoje quero escândalo!
Vem, mesmo sem cheiro de sândalo, mesmo sem sal ou pimenta:
hoje eu quero é comer você!