1ª quinzena de março
Já virei essa mesa tantas vezes. Já
troquei a mesa, deixei-a limpa, toalha rendada, de cor ou de flor. Os pratos,
arrumei; comprei talher novo. Guardanapo de papel? Amassei e joguei! Troquei
por de tecido, sem ser de fino linho, porém, branco e alvo, combinando
com a louça, de florido amarelo e azul.
Já virei essa mesa tantas vezes. Até
de mesa, eu já troquei. Sonhei, chorei, surrei e apanhei, dessa
mesa chamada "vida". Agora ando me sentindo perdida: o que foi que eu ganhei?
Estou cansada, envelhecida, acho até que emburrecida, do tanto que,
essa mesa, virei.
Virei pro norte, esperando melhor sina; pro leste,
mirando um vento ameno; pro oeste, pra que a chuva cultivasse meu campo;
pro sul imaginando encontrar sossego; centrei, na esperança de assentar
a vida. Qual nada! Fica tudo igual. Num primeiro instante melhora, pois
alivia o visual, mas, depois de um tempo é que eu vejo: nem melhorei
meu traquejo, diante das controvérsias da vida. E nessa andança
nômade, de mesa em mesa, de prato em prato, fui comida, engolida
pelas moscas nojentas, que farejam minhas feridas.
Já virei essa mesa tantas vezes! Será
que alguém me ajuda a revirá-la de novo? Quem sabe há
uma gaveta oculta, nessa mesa desmerecida, onde eu encontre uma chave de
alento que me sopre qualquer esperança, que me leve — solta no vento
—, que me dê forças, músculos e fibra, pra novamente
virar essa mesa da vida.