COLUNA DE THATY  MARCONDES 
Na área empresarial, trabalhou na implantação de projetos de administração, captação e aplicação de recursos, e ainda em redação e revisão de textos técnicos. Nascida em Jundiaí, reside atualmente em Ponta Grossa/PR.

1ª quinzena de outubro

IRÔNICOS DESEJOS

É engraçado como a gente muda, ao longo da vida. Não sei se com todos acontece o mesmo, mas eu me sinto vivendo em dois mundos: o introspectivo, onde, em meus devaneios, posso mudar meu passado, alterar fatos, contornar prejuízos, traçar novas rotas; outro é o real, onde, às vezes, também sou obrigada a disfarçar e aparar as arestas dos acontecimentos, para que me seja suportável encarar a realidade “nua e crua”.

Numa dessas noites de “falta de saco” pra discorrer sobre o trivial ou ver filmes melosinhos na TV, parei em uma estação onde estavam mostrando um espetáculo de danças do mais alto gabarito. Concentrei-me nas imagens, na música incidental e no que diziam, tentando adivinhar a mensagem do todo das cenas. Mentalmente, eu fazia intervalinhos lembrando que meu sonho de menina, desde pequenininha mesmo, era ser bailarina. Pensou? Com meu “peso de aliá de regime” em cima da ponta do dedão do meu pé, que mais se assemelha a uma TV de 5 polegadas (daquelas, acopladas a um rádio, que se liga na tomada ou com pilhas)? Ri sozinha. Fiquei pensando numa realidade alternativa: como teria sido minha vida se minha mãe tivesse me colocado no balé? Será que eu seria mais feliz? Como será a vida de uma bailarina?

Tempos atrás, quando falávamos em balé, logo vinha à nossa mente a imagem da bailarina clássica, com sapatilhas pontudas, vestidos de organdi com corpo colado e cabelos presos em coques adornados por flores ou miçangas reluzentes. Mas o espetáculo que assisti nada tinha a ver com essa imagem! Então, o que seria de mim, se bailarina tivesse sido, a essa altura da vida, tendo tão arraigada em minha concepção essa pintura clássica do balé, ao ver que tudo mudou? Se eu estivesse em atividade, provavelmente, ia querer estar no meio dessa mudança toda, pois o que assisti não foi apenas balé, mas, sim, um espetáculo de teatro, da maior qualidade. Os bailarinos interpretavam sua dança, sua expressão cênica e havia diálogos muitos bem interpretados. Devo acrescentar que é um dom saber expressar-se nessas múltiplas formas. A emoção passada ao espectador era doce, meiga e amena. Sutilmente solitária. Um intervalo, um sopro de poesia corporal, trazendo alento para os mortais comuns.

Por alguns momentos esqueci que há um mundo fora daquele palco - onde quisera ser bailarina - , onde o que impera é a mais triste realidade da degradação do ser humano, que, no palco da vida, tem-se aprimorado em espetáculos de pobreza, podridão e morte.

Aconselho: veja balé. Ou compre um aquário.

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