1ª quinzena de dezembro
INSÔNIA (2)
Perdi o sono e me deu vontade de tomar café.
O cheiro gostoso da bebida, a fumaça subindo, se esvaindo em nuvens amorfas.
A xícara nova, de ágata azul marinho.
Quando vi minhas mãos segurando a xícara, entendi a razão da xícara, do café, do cigarro, da insônia.
Olhei minhas mãos e me lembrei da última vez que a vi: você tinha minha idade atual.
Às portas dos 50 anos de idade, ainda me lembro de você, poia ficamos cada dia mais parecidas. Imitei seu gesto, sua xícara, seu café, seu cigarro. E minhas mãos imitaram as suas.
Eu não consigo dizer o que sinto, além de traduzir essa saudade, na semelhança fisionômica e gestual. Quisera também me saber lembrada nos sentimentos.
Queria seu colo e seu afago. Sentir sua lágrima rolando em uníssono com a minha.
Seu nome é flor, mas dessa Rosa só me sobraram os espinhos.
Que saudades, minha irmã!
A PARTIDA
O chapéu espera à porta.
Na soleira a mala cheia de carimbos e adesivos de vários lugares – o mundo por fora da mala –. Do lado de dentro apenas suas mágoas.
Um par de sapatos – pé ante pé , os vagarosos passos das pesadas pernas cansadas.
Do portão lança um último olhar p'ra janela de cima do sobrado.
A cortina imóvel, nenhuma brisa.
Mas ele sente no ar o perfume dos seus cabelos.
Só não consegue engolir a lágrima.
Mastiga a língua e jorra o sangue que transborda do coração.
Cai na esquina. Ela avista o tumulto – espiava atrás da cortina.
Não chamou a polícia.
Nem foi ao enterro.